Newsletter do Ducs #24: não ser branco na Holanda, como construir uma rotina, como cuido da minha barba, e lutando fora do sistema
Aqui o governo holandês anunciou que irá começar a afrouxar as medidas contra o Corona e, dado a lerdeza da vacinação e, vendo os números, fico achando que o clima melhorando tem mais peso do que vacinas aplicadas... mas hey, clima melhorando! Uma semana sem chuva, estou até tirando as teias de aranha do óculos de sol!
Na edição dessa semana eu vou voltar a uma coisa que falei na newsletter passada, e previsivelmente acabou mexendo com muita gente: a descoberta de que eu não sou branco, certamente não para os holandeses e não para muitos brasileiros também. Muitas dúvidas: é devido a cor da minha pele, é por causa da minha nacionalidade, quais problemas isso me causa (se algum), e, se não sou branco, e não sou (obviamente) negro, que sou?
Mas a newsletter dessa semana tem bem mais coisas. Vou contar como eu organizei minha rotina e como eu lido com a pressão de ser produtivo o tempo todo, vou falar sobre como eu cuido da minha barba, na seção de música eu vou contar sobre uma banda que influenciou a música sem entrar pro sistema, falo sobre um explorador ártico que tretou com nazis, dar dica de livro... tem muita coisa boa, com vários temas que podem mexer com você. Certamente mexeram comigo...
Um conteúdo sem prazo de validade nem pressão para ler
Uma das vantagens da newsletter é que ela não desaparece no éter das redes, enterrada pela constante necessidade de sacrificar conteúdo fresco aos deuses robóticos do algoritmo. Uh, o que quero dizer é: você pode ler as edições passadas, porque elas tem coisa boa e não expiram, nem somem em 24 horas. Eu mencionei a edição passada. Pode acessar ela e todas as outras, no stress. O link para as três mais recentes (e a partir delas você chega nas outras):
Relembre a EDIÇÃO #23 AQUI (como a ultramaratona iguala homens e mulheres, sobre não ser branco, uma música que deixou o sistema solar)
Se perdeu, leia a EDIÇÃO #22 AQUI(treinando de casa, como superar vergonhas, criando novos hábitos, empreendedorismo feminino na Turquia)
Curta a EDIÇÃO #21 AQUI (fotos de Amsterdam antiga e presente, como mudar de carreira, uma tinta especial)
Ah, uma coisa: não sei se você notou, mas pode colocar a newsletter em dark mode, se achar mais confortável para ler. Procure pelo ícone da lua no canto inferior direito da página. Ou aqui:
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Rotina e organização: como entrei num acordo com a minha procrastinação
Mais de uma vez me perguntam como eu dou conta de fazer tantas coisas e ser tão produtivo... o que muito me surpreende, e surpreenderia qualquer antigo professor meu, porque historicamente eu sou um procrastinador completo. Workaholic nunca foi um termo usado para me descrever. Produtivo? Well...
O que eu aprendi foi a conviver com a minha procrastinação de uma maneira um pouco mais produtiva. Entrei numa espécie de acordo com ela. Serve?
Sim, é verdade que sou mais produtivo hoje do que era em outras épocas da minha vida, o que não é nenhum mérito - é meio como dizer que hoje você usa mais internet do que nos anos 80. De qualquer maneira, vitória! ...certo? Vitória?
Nisso, teve influência a chegada dos meus dois saguis. Quando chegou a mais velha, e acabou a licença maternidade da Carla, eu dei tchau para ela, e me vi com uma bebezuca no meu colo e 8 ou 9 infinitas horas com aquela criaturinha. Chorava ela e chorava eu. Acabei dando conta, mas quando veio o segundo, passei de fase e aí o jogo ficou mais complexo. Procrastinação é muito mais divertido quando você não termina com duas crianças berrando. Ficou interessante coordenar um bebe e uma criancinha, a janta pronta na hora e ainda trabalhar (eu estava fazendo o Ducs Amsterdam, e como já comentei diversas vezes, era praticamente metade da renda da casa.)
Como criei minha rotina
Aí entrou a primeira regra de todas. Ir resolvendo os problemas conforme eles aparecem não funciona. Isso já é ruim quando o único afetado é você. Com criança é o caos. Não dá para esperar o sagui começar a pitizar de fome para começar a pensar em preparar comida. O que eu fiz foi criar uma estrutura no dia. Um esqueleto que desse sustentação para as coisas acontecerem, mas ao mesmo tempo flexibilidade para criar e variar conforme necessário. Em outras palavras eu precisava de... glup... uma rotina!
Para definir a rotina eu comecei de trás para diante. As crianças precisavam estar na cama no máximo as 20h00. Isso é o mínimo dos mínimos para que elas tenham as horas de sono necessárias para uma criança - que são diferentes de adulto. Nós precisamos de 8 horas (dormidas! De cama é mais). Saguis... varia com a idade. Mas na idade que os meus estavam, de 10 a 13 horas por dia. Acordando eles as sete, indo pra cama as 20h00 elas teriam 11 horas de cama, pouco menos que isso de sono. Quase o mínimo. Pros holandeses, 20h00 já é chocantemente tarde, mas foi onde comecei.
Para elas estarem na cama essa hora, entre banho e arrumação e tempo de comer, a janta teria de estar na mesa as 18h30, que era a hora que a Carla chegava. isso quer dizer que eu teria de começar a cozinhar as 17h30. Isso quer dizer que teria de dar o lanche da tarde umas 15. Isso quer dizer que... assim foi. Definido os pontos fixos, eu comecei a trabalhar ao redor deles para dar conta deles acontecerem na hora. Com o tempo fui pegando a prática, e eu ia fazendo modificações para refletir novos aprendizados e novas necessidades. O esqueleto temporal da rotina se torna capaz de absorver mesmo golpes inesperados e mudanças pontuais. Mesmo que um dia a janta saia mais tarde, ou a gente pule uma tarefa porque surgiu um play-date surpresa, não tem problema, porque na maioria das vezes, acontece. A exceção é de fato uma exceção.
A vida não cabe num dia
Mas logo de cara uma coisa ficou clara: com a definição dos pontos e das tarefas regulares, não seria possível fazer tudo o que eu queria. E aí veio a segunda grande revelação: não vai dar para fazer tudo todo dia. Eu poderia me estressar tentando, me estressar ficando infeliz com isso, ou aceitar e aprender a lidar com isso da melhor maneira que eu pudesse.
Aí entra a questão de priorizar coisas e objetivos. Saber colocar em ordem de importância. Tem coisa que vai rolar todo dia, inevitavelmente. Tem coisa que pode ser bem de vez em quando. E tem coisas que pode ser apenas algumas vezes por semana. Ou uma vez por semana. Ou no mês. A vida não precisa caber num dia só todo dia.
E tem coisa que não vai rolar, e tudo bem também: entenda pelo quê você está abrindo mão daquilo, e foque no que está ganhando no lugar, não no que está perdendo só porque você não tem o super poder de desafiar as leis da física e universo.
Além das coisas básicas (eu priorizo bastante jantar todo dia), tem outras coisas. Meditar, por exemplo. Fazer meu journal, por exemplo. Aí reservo um tempo para isso. Mas também, outro dia a sagui fez aniversário, e era um dia sem aula na escola. Tiramos para comemorar. Não deu para meditar nem fazer journal. Sem problemas. A rotina permite exceções serem de fato exceções, lembra?
E arrumar a casa? Bom, a verdade sincera é que eu não priorizo isso. A casa em geral está uma bagunça. Tem gente que prioriza, e a casa está sempre arrumada. (Tem gente que tem uma pessoa para arrumar. Nós não temos - serviço é muito caro aqui na Holanda, e gastamos com outras coisas). Tanto faz - a questão é você determinar a sua prioridade. E entender que rotina permite variação. Tem sábado que a gente tira para arrumar e faxinar a casa. Tem sábado que não. No dia a dia, só a manutenção básica de lavar louça, roupa, varrer chão, essas coisas.
O mito da produtividade constante
E aí tem o lance do repouso, descanso e períodos de baixa produtividade. Olha a gente não é robô. A gente não vai estar operando em condições ótimas o tempo todo, sendo produtivo o tempo todo. E to falando isso porque tem rolando uma ideia que temos de ser produtivos até no descanso... parece que é errado ficar um tempo sem fazer pleura nenhuma: você tem que estar meditando, ou escrevendo um journal, ou se exercitando, ou aprendendo uma língua estrangeira, ou ouvindo um podcast, ou lendo um livro, e cara... tem hora que a gente não quer, não pode, e não deve fazer nada. Ócio mesmo. Que a gente precisa parar, desligar o feed constante de informação e deixa a cabeça em ponto morto. Isso é mais do que okay. É parte de ser humano.
E tem períodos que o trabalho não vai sair na mesma quantidade e qualidade, e isso também é okay. Entenda que isso é um ciclo natural, e não um bloqueio, um problema a ser resolvido. É, ao contrário, um período necessário: sem ele não vai ter o outro também, de alta produtividade e qualidade também, podemos acabar indo pra uma mediocridade constante e cansada, porque não temos energia mental e criativa, simplesmente porque recusamos o período de baixa produtividade e lutamos contra esse ciclo natural.
Com essas técnicas, eu acabei encontrando um acordo com a minha procrastinação - que nada mais é que a necessidade de não fazer coisas. Por um lado, aprendi a criar uma estrutura que me permita fazer o que quero de maneira menos estressante (em vez de estar sempre apagando incêndios e tomando decisões repetidamente), usar o espaço além do dia para fazer mais coisas. Por outro, eu dou espaço para diminuir o ritmo quando preciso, não me estresso quando algo fica de fora (eu fali sobre isso na newsletter #22, na parte de como formar novos hábitos: a pausa é parte do processo), aceito que não dá para fazer tudo (eu até queria aprender francês, mas well...).
Espero que ajude (aliás: o truque de regularizar a hora das refeições é batuta até mesmo se você não tem sagui. Esperar ter fome para ver o que tem para comer é pedir para se alimentar pior...). Claro, cada um tem seu processo, mas pode ser que você tenha novas ideias para incorporar no seu.
Agora vamos pegar outro assunto denso...
Ainda sobre eu ser (não) branco
Na newsletter passada, edição,#23 eu comentei sobre eu não ser branco e só ter descoberto isso aqui na Holanda. Naturalmente isso gerou muita curiosidade, alguma controvérsia e certas reações. Então acho que tem material para voltar e conversar um pouco mais sobre o assunto.
Uma das dúvidas comuns: seria esse status de "não branco" devido a minha nacionalidade apenas? Tipo, qualquer brasileiro seria "não branco" aqui na Holanda. Na minha experiência pessoal, não é o caso. Conheço brasileiros que são, sim, considerados brancos. A Carla (minha esposa) mesmo. Eu já ouvi diversos holandeses dizerem que ela é branca. E ela nem é loira, e tem olhos marrons. E não é alt... uh... não, amor, não to dizendo que você é baixinha. Você tem o tamanho certo para você.
Onde eu estava? Ah sim. A minha esposa não é loira, nem tem olho claro (os meus olhos são marrons também, mas de um tom até mais claro do que os dela), nem... chama a atenção pela altura aqui na Holanda (é o país mais alto do mundo, e as vezes ela tem que procurar roupa na seção infanto-juvenil porq... o quê, amor? É verdade! Eu só to comentand... tá, tá, já parei).
Ahem. Enfim. Tem muito mais do que a nacionalidade. Primeiro, tom de pele. Veja, a diversidade humana comporta toda uma gama de tonalidades de cor de pele. Veja a escala cromática de Von Luschan para cor de pele:
Diz que é para comparar com a sua pele em algum lugar que não pega sol... não, espera, isso soou errado. É para comparar com a parte de dentro do braço, pronto. Onde o sol não brilh.. ah. Você entendeu.
Olhando a parte de dentro do meu braço eu diria que a cor da minha pele seria... um 17 ou 18. Mas essa parte ninguém vê. Pessoal te julga pela cara mesmo. Aí eu teria uma pele mais pro 20 mesmo. Ou até mais. Aí olha o resultado:
Europeu de pele escura. Hm. Acho que uma das diferenças que eu noto entre a classificação dos brasileiros e holandeses é em que ponto dessa escala eles colocam a linha "branco". Tenho impressão que para os holandeses o limite é bem mais baixo do que para os brasileiros. E isso tem a ver, claro, com o contexto populacional desses países.
Mas aí tem outros fatores também. Os meus traços são mediterrâneos, e acontece que o mediterrâneo não banha somente o sul da Europa, mas o Oriente Médio e o norte da África. Minha ascendência é de italianos (tenho inclusive a cidadania), portugueses. Sul da Europa, com provável miscigenação com negros no Brasil. Daí a galera junta o tom da pele mais escuro, com traços mediterrâneos e associa com Norte da África ou Oriente Médio. Muitos me consideram judeu, ou marroquino (o bom é que ganho sorrisos e cumprimentos na rua dos dois. Já teve dia, juro, que ouvi shalom de uma pessoa na rua e depois mais tarde, as-salamu de outro). No parquinho, já aconteceu de um pai judeu vir e pedir para eu olhar os saguis dele brincando enquanto ele ia buscar uma coisa e já voltava. Ele chegou falando em hebraico. Eu disse que não falava. ele respondeu "ah, sem problemas, você vai conseguir aprender", com um sorriso de apoio. Olhei em volta. O parquinho estava cheio de pais e mães... brancos. Ele veio falar comigo.
(Eu cuidei dos saguis, claro).
Okay, continuando com as reações. Algumas pessoas me perguntaram se eu ser considerado não branco me trazia problemas aqui na Holanda. Eu vou ter que ser sincero que trazia problemas no Brasil também. O que? Sim.
Eu sempre notei que as portas de banco travavam para mim, mesmo eu estando sem absolutamente nada, e nem nenhum lugar para esconder algo (exceto minha camiseta). Entre eu e a Carla sempre foi piada recorrente que tínhamos de chegar com antecedência em aeroportos para eu ser revistado. Todas as vezes. A Carla, de vez em quando param, na maioria das vezes não. Eu? 100% das vezes. Tirando cinto, sapato e até a barba (eu testei). Na adolescência, eu notava que os seguranças sempre pediam para eu abrir a mochila, mas nunca para meu amigo britânico (oi Sam), alto loiro e de olho verde.=, mesmo quando a gente estava junto. Só que inacreditavelmente precisou eu vir para a Holanda para cair minha ficha. Não tenho orgulho disso.
Aqui é mais ou menos a mesma coisa. Tem pessoas que tratam absolutamente igual, e tem esses pequenos.. incidentes. Comentários variam. Muitos são absolutamente inocentes, meramente comentando o fato (como contei na newsletter passada, do meu tatuador dizendo que tinha ajustado a escolha de tintas para aparecer melhor na minha pele mais escura, ou o médico recomendando mais vitamina D). Alguns, como os casos acima, de gente que se identifica comigo. De boas. Outros são mais.... agudos. E os seguranças, claro. Já estou acostumado até. Quando fui visitar a Sinagoga Portuguesa em Amsterdam, eu fui o único de um grupo de amigos a ser separado para revista detalhada. Eu não era o mais claro deles.
E aí tem o aspecto de identidade. Sou branco? Não branco? Sul europeu, ou italiano, ou o quê (já me classificaram muito como grego também - Mediterrâneo). Eu já ganhei parabéns (o único palestrante não branco do congresso!) e já fui discriminado (outro caso, nem vale a pena relembrar). Pessoas chegaram a ser um pouco agressivas no Insta ("você é branco sim!", refutando sumariamente o que eu estava dizendo e fechando a possibilidade de sequer discutir o assunto). Sou? Quem sou?
Eu tenho privilégios (sou homem, e isso me dá vantagens no mundo). Eu tenho desvantagens (pergunte aos seguranças - alguns bem agressivos). Não pedi nem uma nem outra, mas existem, e temos todos de lidar com elas. O certo é que não existissem, e a Carla não precisasse ouvir certas coisas, ter certos medos, e ter dificuldades por ser mulher, nem certas vantagens por ser branca.
Mas e como eu encaro essa dualidade de ser considerado ao mesmo tempo branco e não branco, judeu e árabe, europeu (sou afinal italiano) e sul americano? De novo: quem sou eu?
Eu sou o Daniel. Parte de ser quem sou é ser multidimensional. Eu estou okay com isso. Espero que você também.
Agora vamos para algo mais leve...
Como eu cuido da minha barba
Eu não tenho estatísticas detalhadas de quem faz parte da newsletter. Digo, eu sei o número de pessoas inscritas, e posso ver se você recebeu uma edição e esse tipo de coisa. Mas não tenho um perfil detalhado, como as mídias sociais oferecem. E apesar de todos os seus poderes algorítmicos de detecção, nem mesmo o Insta me diria quantos por cento que leem essa newsletter tem ou se interessam por barbas. Desconfio que não são em grande número, e essa seção vai ser uma das menos lidas. Sem problemas, eu vou escrever e se você é daqueles que não curtem uma manutenção de barba, pode pular essa. Logo abaixo tem outro assunto. Hey, vantagens de escrever sem ter que comprar um curso de marketing digital antes.
Vamos lá...
Veja que não sou nenhum especialista, e minha barba é relativamente recente (pouco menos de um ano). Não sei indicar produtos no Brasil e coisa assim. Além disso, cada barba é uma, e muito bem acontecer de algo que serve para a minha não prestar para a sua. Eu vou dizer como eu faço, dar indicação de um canal no YouTube com mais dicas, e espero que possa dar uma ideia ou duas.
A Barba quando acorda, está em estado selvagem e requer alguma domagem.
A primeira coisa a fazer é amaciar a fera. Primeiro eu uso um óleo para barba. É basicamente uma mistura de um óleo base (jojoba, ou óleo de coco, ou de argão) e alguns óleos essenciais ou cheiros. O objetivo é amaciar a barba, dar brilho, e tratar a pele debaixo da barba também, que pode ficar seca, ou coçando. O óleo para barba vem em ampolas com um conta gotas. A minha está compridinha já, então uso um conta-gotas e meio. Eu derrubo na mão, esfrego e passo na barba e rosto. Nisso já vou dando uma ajeitada na selva.
Depois, uso uma escova. Boa e velha escova. Depois de pentear, dá para checar as pontas. Se os pelos estiverem esgarçados nas pontas. Toma cuidado: é para dar uma acertada de leve, mais podar, não é para encurtar a barba, só dar aquele vigor e alinhar. Eu tenho uma tesoura dessas de cabeleireiro (é da Carla, ela corta o próprio cabelo, eu socializei).
Daí tem a questão do bigode. Eu uso ele comprido para aquele look steam-punk épico, só que isso requer cuidados extras. Um pente de bigode e cera são para mim ferramentas essenciais. Eu uso ceras mais firmes (o bigodón exige), mas você pode escolher entre diversas gradações. As que estou usando atualmente são: Capt. Fawcett - expedition strengh e Can You Handlebar - Primary.
Para aplicar a cera, é preciso amolecer um pouco antes. Como? Calor. Pode pegar um pouco e ficar esfregando entre os dedos até ela esquentar um pouco e amolecer. Ou você pode usar um secador de cabelo e esquentar. Ou por a latinha no bolso da calça (essa nunca usei). De toda a forma, amoleça a cera, e usando os dedos espalhe pelo bigode. Para evitar que fique pedaços visíveis, você pode usar o secador de cabelo e ir espalhando e dando estilo com o pente. Não deixe o fluxo de ar parado num lugar só, vá fazendo o movimento acompanhando o pente. Depois que estiver no visu que você quer, aquele ar de distinto cavalheiro prestes a pular em um balão e dar a volta ao mundo em oitenta dias, ligue o ar frio do secador para firmar a cera.
Isso é importante não só pelo estilo, mas para que todas as suas refeições não incluam sanduíche de bigode. Ah, e guardanapos e canudinhos são seus amigos. Eu tenho um de metal, não é só porque eu tenho bigode de vilão de história em quadrinho que eu quero viver numa distopia onde toda forma de vida virou plástico.
Ou você pode aparara seu bigode e dar um look mais comportado e menos explorador ártico do começo do século passado. Se bem que eu não imagino porque alguém quereria se parecer menos com exploradores árticos do século passado... Olha esse casal:
Okay, agora é fim do dia, hora de lavar a barba. Eu uso os mesmos produtos que uso para o cabelo, mas eles são, tipo, the best, praticamente milagrosos. Não sei se é fácil de encontrar onde você vive e, se for, certamente não vai ser barato. Mas eu uso produtos da Bullfrog. Eles são barbeiros em Milão, e tem sua própria linha de produtos cosméticos. Eu compro aqui na Holanda no meu barbeiro, a Van de Hare Amsterdam Barbers. Eu recomendo especialmente esse creme restaurador, Bullfrog Nourishing Restorative Butter. Fan. Tás. Ti. CO! Sério, foi transformador. Eu tinha muito problema com couro cabeludo seco, e isso, tipo, resolveu para a vida. E a barba fica inacreditavelmente macia.
Como shampoo eu uso esse aqui, também restaurador.
E o básico é isso. Se quiser fuçar alternativas de óleos para barba aqui na Holanda (A Bullfrog também vende), e outros produtos, incluindo ceras, e até pente para bigode, eu gosto da Mijn Baard aqui na Holanda. Entrega rápido, são super bons. (Mijn Baard quer dizer "minha Barba" em holandês).
Para mais dicas, recomendo o canal do Jeremy Siers. Tipo esse vídeo aqui:
Ele também ensina a fazer seu próprio óleo para barba:
Tem bastante dica boa no canal dele (e eu nem fumo nem bebo). Agora vamos tentar recapturar a atenção de quem pulou todo esse papo de barba...
Dica de livro: The Sirens of Titan (As Sereias de Titã)
Autor: Kurt Vonnegut
Os livros de ficção científica de Kurt Vonnegut são mais sátira do que sci-fi, e isso os torna interessantes tanto para os fãs do gênero (que reconhecem o sarro) quanto para quem não leva essa coisa de marcianos invadindo a Terra muito a sério. Claro, a coisa se sustenta pelo imenso talento e domínio da linguagem de Vonnegut em discutir temas profundos usando sarcasmo, sátira e um humor estranho, quase negro. Adoro. Em The Sirens of Titan, o autor lida com o tema do livre arbítrio e sentido da vida, mas de um jeito... cortante. Olha, não é um livro para todo mundo. Se você quer "aventuras no espaço", ele é bizarro demais para você. Se você quer hard sci-fi, recomendo (muito, é bom) O Marciano, de Andy Weir. As Sereias de Titã tem uma linguagem super simples, quase seca, sem absolutamente nada supérfluo, mas um enredo meio tortuoso, onde os acontecimentos vão sendo dispostos direta e implacavelmente, e de repente se encaixa tudo. E você quase preferia que não. Som de neurônios fundindo.
Música: Dead Kennedys contra o sistema (todo o sistema)
Em 1980 a banda Dead Kennedys, fundada dois anos antes em San Francisco, já havia atingido algum sucesso no underground, apesar de não ter nenhum disco gravado, com uma nova variação do punk que seria conhecido como hardcore. Com letras de um sarcasmo ácido, a banda usava a música como instrumento político e mirava forte a burguesia americana e o "sistema". O sistema, porém, não estava nem aí...
Ao perceber que os moleques produziam algo que ressoava com o público, e portanto tinham potencial comercial, a indústria fonográfica, parte integrante do tal “sistemão” fez o que toda indústria faz: tentou ganhar uma grana e cooptar os moleques. Os Dead Kennedys foram chamados para tocar sua canção mais conhecida, California Über Alles, no 1980 Bay Area Music Awards, a premiação local da indústria musical, onde os novos talentos são apresentados. Esta era a chance que muitas bandas iniciantes sonham, tocar diante dos figurões da indústria e tentar gravar o seu primeiro disco, rumo ao estrelato.
Na passagem de som, durante a tarde, eles tocaram a música normalmente. Mas na hora do show pra valer, na cerimônia ao vivo diante da plateia de executivos, os Dead Kennedys interromperam a apresentação logo nos primeiros acordes. Jello Biafra, o vocalista e líder, grita:
– Segura um pouco, segura aí.
A banda desafina e para.
– Nós temos que provar que somos adultos agora. Nós somos uma banda de punk rock, uma banda da nova onda (“new wave”).
O baixista começa uma nova batida, e logo a banda toda segue em uma música inédita. A letra dizia:
“Tô cansado de ter respeito próprio, não tenho grana prum carro, quero ser um superstar pré-fabricado. Eu quero ser um instrumento, eu nem preciso de uma alma mesmo, eu quero faturar grandão tocando rock and roll. Vou tornar minha música chata, vou tocar minha música devagar, eu não sou um artista, sou um executivo, não tenho ideias próprias. Eu não vou ofender, não vou chutar o balde, vou fala apenas de sexo, drogas e rock and roll.”
Durante o show, os integrantes da banda entraram usando camisas com uma enorme letra S no peito. No meio da música, eles colocaram também gravatas que estavam escondidas, como respeitáveis membros da sociedade. Só que as gravatas cruzavam o S, formando um enorme… $.
A música continuava descrevendo como iriam fazer tudo nos conformes, se drogando e tocando o que o público queria ouvir e apenas fingindo serem revoltados para ter dinheiro. Então chegava o refrão final.
[eu vou fazer tudo isso], mas só tem um probleminha… será que meu pinto é grande o suficiente e o meu cérebro pequeno o suficiente pra vocês me tornarem um superstar?...
(Solo de guitarra)
“Será que meu pinto é grande o suficiente e o meu cérebro pequeno o suficiente pra vocês me tornarem um superstar? Todo mundo junto, vamos lá, gente, mãos pro alto… batendo palmas!”
E a plateia, entre confusa, obedeceu, pondo as mãozinhas pro alto, batendo palmas…
E assim a banda encerrou a apresentação, e saiu abaixo de estrondosos aplausos, agradecendo à amável plateia, dizendo “a gente se vê na próxima vez! Rock and roll, pessoal! Agitem aí!”
Desnecessário dizer, eles não ganharam contrato nenhum.
Interessante que a letra da música original já não era exatamente boazinha. Só aconteceu de o alvo ser outro, criticando o governador democrata, Jerry Brown, os hippies e falando da transformação da Califórnia num estado neo-nazi. Dava para prever... Digo, o nome dos caras já era provocação política (Kennedys Mortos)
Fica tranquilo que ao longo da carreira, Jello Biafra bateu na esquerda e na direita, nos hippies e nos empresários, no capitalismo e no comunismo (a música Holiday in Cambodia é um exemplo, sobra pros dois) e tem porrada pra todo mundo. Neo nazis era um alvo favorito também, vide o clássico "Nazi Punks Fuck Off" (nem preciso traduzir, né?). Não dá para ouvir impune. Quando surgiu a MTV, eles lançaram o hit chamado "MTV get off the air" (MTV sai do ar). Desnecessário dizer, a MTV não tocava eles.
Não importa. Sem grandes gravadores e emissoras por trás, os Dead Kennedys fundaram seu próprio selo (que existe até hoje, chama Alternative Tentacles), e criaram uma grande audiência e influenciaram o rock profundamente (muita banda famosa hoje tem débito de gratidão para os Kernnedys. Alguns exemplos: System of a Down, Green Day, Faith No More, Rage Against the Machine, Sepultura, Slayer...). Nem sempre o caminho do sistemão é o certo para alguém...
Frase da semana
Obrigado e até a semana que vem!
E acho que por essa semana está bom. Essa é a maior edição até o momento, cruzando as cinco mil palavras. Escrever a newsletter me dá grande prazer, e mais ainda quando recebo seu retorno, me contando suas reflexões, opiniões, histórias. Seu email (já está inscrito né?) me dá motivação, me ajuda a melhorar e, de modo geral, me alegra ao saber que não estou falando sozinho.
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Pelo seu carinho, companhia e apoio, meu sincero muito obrigado. Um abraço e até semana que vem!
Daniel Duclos - Daniduc - Ducs
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