Newsletter do Daniduc #34: história sobre música de filme, dicas de audiobooks
Faz um tempo que a gente não se fala - o último update foi depois da minha cirurgia (e foi apenas para a lista de emails, não está aqui no site). Não foi um ano fácil, e em especial um fim de ano fácil, e a hora é de recuperar as forças e curar feridas antes de continuar. Nessa edição foi atualizar sobre como estou e o que estou curtindo nesse período de recuperação, e uma pequena avaliação do ano. Se você ainda não está na lista de emails, e tem interesse em receber atualizações exclusivas que não vão pro site, é só colocar seu nome aqui:
Antes de começar, como de costume, vou deixar link para as três edições anteriores (e de lá você pode pular pra qualquer outra, tem muita dica bacana que já rolou nesse ano e pouco de newsletter).:
Na Edição #33 eu contei sobre uma bike de mais de 5000€ para substituir um carro, monstros e metáforas, desenhos no outono
A edição #32 eu contei sobre alimentação saudável para crianças, dicas de escrita, músicas cover mais famosas que as originais, um jogo mágico e a origem do laconismo
Na edição #31 eu falo sobre porque deletei meu Instagram, WhatsApp e Facebook, doenças da vida moderna, como passei a gostar de esporte e o que corrida de resistência me ensinou para a vida
Updates sobre a minha cirurgia
Nesse ano eu fiz mais duas cirurgias na vista - mais duas numa luta de duas décadas contra a perda irreversível de visão nos dois olhos. Comecei essa jornada em dezembro de 2000, são 21 anos de batalha. Perdi muito já, mas como disse meu médico búlgaro que gosta de forró brasileiro: "a gente só desiste se você perder totalmente a visão ou morrer, o que vier primeiro". É um jeito de ver as coisas (trocadilho proposital).
A cirurgia de janeiro infelizmente não conseguiu controlar a perda e tive de refazer agora em novembro. Muita gente associa cirurgia nos olhos com algo simples, tipo LASIC para corrigir grau, mas não é esse tipo. Ela me deixa derrubado um tempo, e a recuperação total leva cerca de seis meses (por isso eu fiz em janeiro e só refiz em novembro - eu tinha de me recuperar primeiro).
Primeiros resultados
Infelizmente, os primeiros indícios é que de novo ela não conseguiu controlar o avanço, e tive de fazer mais duas intervenções depois da cirurgia em novembro, então eu fiquei umas três semanas seguidas levando agulha no olho, com dor e a visão dilatada. Não deu rpa escrever muita newsletter nesse período, por isso estou voltando só agora. Ainda não tem indício de que o problema está controlado, e estou de volta nos colírios pré cirurgia (além de todos os pós cirurgia), mas a gente só vai saber o resultado final em maio do ano que vem, quando der os seis meses de recuperação. Pelo menos pude deixar de dilatar a pupila, e a vida ficou um pouco mais confortável.
Exercícios e os ciclos do progresso
Ah, e depois de um mês de cirurgia o médico liberou fazer exercício de novo. Eu tinha parado de correr em setembro, devido a uma lesão no pé, mas ainda estava treinando força, o que tive de parar pra operação. Agora, estou voltando aos poucos. Ontem, domingo, eu fiz o a primeira corrida de 10Km desde a lesão em setembro. Isso costumava ser a minha corrida regenerativa de meio de semana, agora foi uma conquista e um longão.
É um pouco frustrante ver o quanto de condicionamento e força eu perdi, mas por outro lado, voltar a treinar é um privilégio que tento não azedar comparando com o que foi. Se for comparar com o que foi, eu vou comprar com 2018, quando estava obeso e não conseguia correr sequer um quilômetro seguido ou fazer uma única flexão: comecei fazendo flexões inclinado na pia da cozinha, porque nem de joelhos eu conseguia. A vida está sempre mudando, e a gente não progride numa linha reta ascendente constante, mas através de ciclos regenerativos e alternados. Se feito da maneira correta, o fim de um ciclo é um pouco a frente do começo do anterior, permitindo um avanço no panorama geral. Se eu comprar com setembro, 10Km é uma perda. Mas se eu comprar com 2018, é um gigantesco avanço, e espero terminar esse ciclo que estou iniciando agora a frente do que eu terminei em setembro.
Audiobooks: mitologia e o mundo de hoje
Eu sempre amei ler, desde criança, e lia constantemente. Eu era daqueles que cabulava aula pra se esconder na biblioteca e ler tudo (a sério: eu ia de fileira em fileira lendo os livros na sequencia. Okay, a biblioteca da escola não era enorme, mas eu li toda). COm o problema de visão tive de me adaptar e os audiobooks foram a salvação (até já falei sobre isso). Esse ano foram 39 livros ouvidos no Kindle. Os dois últimos foram sobre mitologia. Uma das coisas que me atrai é descobrir o quanto mitos antigos, longe de estarem esquecidos ou obsoletos, influenciam nossa vida e visão até hoje.
Ouvindo Mythos, escrito e narrado por Stephen Fry, a gente descobre a ligação entre coração, foco, lareira e lar. Os traços dos mitos estão por toda parte, moldando a linguagem e, portanto, nossa visão de realidade. É como enxergar as engrenagens e cordas por trás da cortina. Eu particularmente adoro esse tipo de conexão.
Se Stephen Fry é meu narrador-autor favorito, um segundo lugar próximo é Neil Gaiman, e só porque Neil narra apenas suas criações, enquanto que Fry traz vida para incontáveis clássicos (eu amei a narração das obras de Orwell). Eu ouvi o livro sobre mitologia Nórdica dele, o que foi aprticularmente legal por um motivo pessoal. Esse foi um dos últimos livros que tentei ler em papel, antes de notar que a minha visão não daava mais conta da minha paixão vitalícia, o livro físico. Larguei na metade, não porque não estava gostando. E agora comprei no Audible e finalmente terminei. A voz de Gaiman foi um bônus. E mesmo que a mitologia nórdica não tenha uma influência tõ extensa quanto a grega, ainda se faz sentir, e até a minha sagui mais velha se surpreendeu ao descobrir a presença de arquétipos, como Loki, o deus da trapaça, e alguns personagens de livros que ela ama. Ah, sim, eu reconto os mitos para os saguis, com as minhas palavras e adaptações. Essa é, claro, a maneira como eles nasceram e se reproduzem até hoje, passando de geração em geração através da conexão mais humana que existe: o compartilhamento de histórias contadas e recontadas.
Recomendo:
Mythos - Greek myths retold, por Stephen Fry
Norse Mythology, por Neil Gaiman
Ambos disponíveis em diversos formatos e traduzidos.
Música eterna para mexer com você
Outro livro que ouvi (eu já havia lido quando adolescente) foi o clássico 2001, uma Odisseia no espaço, que acontece também de ser um dos meus filmes favoritos de todos os tempos.
Hey, você quer a minha lista de filmes favoritos de todos os tempos? Tipo um top 5? Aqui vai:
2001, a Space Odissey
Apocalypse Now
Seven Samurai
Star Wars, a New Hope
The Good, The Bad, The Ugly
Nem vem, O Episódio V não é o melhor Star Wars e eu tive 40 anos e múltiplas centenas de vezes assistidas para pensar no assunto.
Mas voltando ao 2001, já que no momento minha conexão é com áudio, eu lembrei da história da música do filme.
É bem conhecida a história que Kubrick estava usando música clássica durante e edição do filme, como um substituo temporário para a trilha sonora estava sendo composta, e no fim ele gostou mais das músicas clássicas e dispensou a composição original... sem avisar ao compositor, Alex North, que só descobriu que seu trabalho não foi aproveitado quando foi ver o filme no cinema. Foi, claro, a decisão certa, uma vez que o cinema não seria o mesmo sem as navez valsando no espaço ao som do Danúbio Azul, ou a Terra, Lua e Sol se alinhando ao som de Assim Falava Zaratustra:
Mas podia ter mandado um bilhete pro compositor também, né seu Kubrick? Mas pelo menos o Alex foi pago pelo trabalho. Isso não aconteceu com todos os compositores de música que terminaram na edição final do filme, e essa história é um pouco menos conhecida.
No filme Kubrick usou também partes de músicas do compositor húngaro György Ligeti, nominalmente, Atmosphères, Lux Aeterna, Requiem e Aventures. A primeira música a aprecer no filme é de Ligetti, Atmosphères, logo na abertura. O tema do monolito também é dele:
A escolha é, de novo, perfeita, e mostra o contraste e ligações entre antigo e moderno também na trilha sonora, colocando valsa e avant-garde na orquestra do filme. maravilhoso... s\o que Kubrick não pediu permissão ou sequer informou Ligeti. Ele foi lá e pegou as músicas e usou sem mais aquela... em uma superprodução de Holywood (2001 é tão estranho que a gente esquece que foi produzido como um blockbuster da MGM). A Hungria estava na época atrás da cortina de ferro, e Kubrick não se deu ao trabalho e navegar a burocracia e dificuldade de comunicação. Ele achou a música perfeita pro filme e usou. Foi, claro, sumariamente processado assim que Ligetti ficou sabendo, e acabou fechando acordo com Kubrick, e até colaborando com ele (dessa vez creditado e pago) em filmes futuros. Não era sobre pagar ou não o cara - era aquela vibe de artista focando na obra em vez de gastar tempo com as partes chatas. Quando chegou a conta ele pagou.¯\_(ツ)_/¯
Você pode ouvir Requiem na íntegra aqui:
Se você ouviu (sério, ouça), pode ter notado a impressionante performance de uma das solistas. O nome dela é Barbara Hannigan, uma soprano canadense, pode googlar. Eu tenho dificuldade de lidar com o que ela consegue fazer com a voz. Aqui ela e novo:
E para fazer uma ligação com a Newsletter anterior, quando falei de filmes de monstros, essa música foi usada também na refilmagem de Godzilla, na cena do salto em grande altitude.
Ah, eu ouvi a trilha original criada por Alex North, aquela que Kubrick substituiu. Só posso dizer que, mesmo tendo ferido so sentimentos do artista, foi a decisão certa. Soa como a trilha daqueles filmes grandiosos de Hollywood dos anos 1950, e 2001 estaria datado e bem inferior hoje. Kubrick podia ser rude, mas ele sabia fazer filme.
Letra de música que me identifico agora: Watching the wheels, John Lennon
People say I'm crazy
Doing what I'm doing
Well, they give me all kinds of warnings
To save me from ruin
When I say that I'm okay, well they look at me kinda strange
"Surely, you're not happy now, you no longer play the game"
I'm just sitting here watching the wheels go round and round
I really love to watch them roll
No longer riding on the merry-go-round, I just had to let it go
Regeneração
Eu vou parando por aqui, porque eu aprendi a respeitar os períodos regenerativos. Essas duas décadas de luta contra a doença na visão deixaram marcas e tenho traumas reais de algumas histórias (algum dia eu conto): na cirurgia de janeiro, eu tive altas crises de ansiedade, p6anico, tremedeira persistente nas mãos, foi horrível. O trauma é real. No auge da crise, usando técnicas de meditação, eu consegui parar, respirar, deixar ir sem criar uma resistência ao sentimento. É algo que aprendi depois do falecimento do meu irmão, não tentar segurar o sentimento ruim, o que só cria resistência, mas deixar ele passar e seguir seu curso, e escorrer por você. Aos poucos fui me acalmando e voltando. Dessa vez, eu logo antes da cirurgia, abaixei minhas expectativas e assumi que teria um período regenerativo. Conforme for me sentindo mais forte, irei voltando aos poucos, dentro dos limites. Respira. Segue. Ciclos, não retas.
Então me despeço de 2021, mas não sem antes te agradecer por estar aqui comigo. É muito mais fácil quando o criador está lá na mídia social postando foto maravilhosa de sua vida na cidade dos sonhos. Estar aqui comigo não só no conteúdo que exige mais dedicação e até mesmo durante as ausências, isso é especial, e sou muito grato. Em especial agradeço aos herois que mantiveram o apoio mensal mesmo com as pausas - embora reconheça o apoio de todos os que leem, torcem e acompanham de qualquer maneira, porque se tem uma coisa que vale mais do que euros, dolares ou barras de ouro é a sua atenção. Aténção é foco, e atenção determina a experiência da vida. Por dedicar uma pequena parte dela para mim, muito obrigado.