Newsletter do Ducs #25: como criamos filhos na Holanda (escola, língua, segurança, cultura)
Essa semana os saguis entraram nas férias de maio, chamadas aqui de Meivakantie. Em homenagem a saguizagem, essa edição vai ser dedicada a eles: seguindo a sugestão de uma leitora, eu fui e perguntei as dicas da semana pros meus dois saguizinhos (de 10 e 6 anos) e...
Espera. Você não acha que eu de fato tenho dois macaquinhos do gênero Callithrix, né? Eu tô falando dos meus dois primatinhas Homo sapiens sapiens mesmo... meus filhos! Sagui é um apelido carinhoso inventado pela Carla que eu adotei e expandi para incluir tudo que é criança e criei outros neologismos. Coletivo de sagui: saguizada, atos típicos de saguis: saguizagem, fazer traquinagens: saguizar.
Depois eu pergunto por que meu corretor automático me odeia e me sacaneia sempre que pode...
Voltando. A temática da edição dessa semana é saguizada e suas saguizagens, e como criamos eles aqui na Holanda. Quer dizer, como eu e a Carla criamos - estilo de criação é pessoal, e aqui como no Brasil há muitos estilos diferentes. Nós rtermos esse não quer dizer que é o único, nem o cerrto para os seus filhos. Eu reconheço espaço para diferenças. Como é a escola aqui, como lidar com crianças que andam sozinhas, quais programas de TV eles assistem, os choques culturais... Curioso? Vem comigo.
O que já rolou nas edições anteriores da newsletter
Antes de começar, deixa eu situar sobre o que já rolou nas edições anteriores. Para isso, eu sempre coloco link para as três mais recentes, para você ler, ou reler, e dali ir pulando para outras anteriores. Essa é uma das graças de fazer a newsletter: ela não expira, e as histórias, reflexões e dicas continuam válidas e te esperando.
A edição #24 gerou bastante interesse e você pode ler AQUI (não ser branco na Holanda, como construir uma rotina, como cuido da minha barba, e lutando fora do sistema)
Relembre a EDIÇÃO #23 AQUI (como a ultramaratona iguala homens e mulheres, sobre não ser branco, uma música que deixou o sistema solar)
Se perdeu, leia a EDIÇÃO #22 AQUI(treinando de casa, como superar vergonhas, criando novos hábitos, empreendedorismo feminino na Turquia)
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Como dar seu apoio para esse projeto permanecer independente
Você vai notar algumas coisas nesse projeto que iniciei em outubro de 2020. Primeiro, a total ausência de anúncios e banners, e foco total na leitura do conteúdo em si. Segundo, a linguagem natural feita para humanos, sem se preocupar com as técnicas de agradar algoritmo. quer exemplo? eu gastei os primeiros parágrafos falando de "saguis" e não tem um único macaquinho nesse post inteiro. Eu uso neologismos e palavras com outros sentidos,. Isso dá graça pro texto, mas Isso pro Google é um pesadelo. Robôs não entendem esse tipo de linguagem. Humanos, por outro lado, até curtem. Eu não fico repetindo palavras chave (já notou textos que ficam toda hora repetindo coisas tipo "dicas para sua viagem" a cada duas frases? Tem um motivo: robôs gostam disso, facilita o trabalho deles. Já os humanos...)
Terceiro: eu falo de coisas que acho interessantes, independente se elas dão ou não lucro, se elas geram vendas, se fazem sucesso comercial. O propósito dessa newsletter é te informar, entreter, te fazer refletir, melhorar sua vida em troca de você ter investido o tempo para ler. Não é te vender nada.
Quarto: sem ter o propósito comercial, não preciso te por pressão de tempo (uma das técnicas mais efetivas de vendas), de fato não preciso te por pressão alguma. Leia o que quiser, pule o que achar, demore o quanto bem entender, e só engaje se achar que o conteúdo é engajante, não para gerar métricas agrada-algoritmo.
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A cultura do playdate (af) na Holanda
Eu já falei na edição #17 de como são as férias escolares aqui na Holanda: picadinhas ao longo do ano (num total de 3 meses de férias). Curiosamente, as férias de trabalho também podem ser picadas. Você pode tirar até um dia de férias por vez, tipo, "amanhã eu não vou vir, vou tirar de férias". Claro, desde que o seu chefe concorde, mas tipo, isso é algo que as pessoas fazem, e se ele discordar, é porque tem um motivo específico, não porque ele acha que você enlouqueceu e tá na hora de te demitir.
Mas ainda assim, fato é que a saguizada tem mais férias do que os papais, mamães e responsáveis, e aí o que fazer com as criaturinhas? Tem sempre a opção de estender as horas da creche, para quem usa esse serviço (é bem caro), ou escalar um avô ou avó para cuidar dos trequinhos. Agora com a pandemia, muita gente trabalha de casa, e já acostumou com reuniões com trilha sonora de criança sendo criança em volta.
Nesse momento eu estou escrevendo com três saguis dançando pela sala - está chovendo lá fora. Três? Yes, essa é uma das opções, fazer afs. Um "af" vem da palavra "afspraken", que seria "combinado" em holandês, mas serve também para "encontro", "compromisso", ou, nesse caso, um playdate. A gente faz uma troca de saguis.
Em tempos pré corona era super comum depois da escola os portões se abrirem, e uma onda de saguis rolar para fora ao som coletivo de "PAPA/MAMA mag ik af?" (Papai/mamãe, posso fazer af?). Dificilmente você voltava para casa com o número regular de saguis. Ou voltava com alguns a menos ou com muitos a mais.
Hoje em dia, com as restrições, os combinados são feios via whatsapp mais do que ao vivo e no improviso, mas a cultura do af vai bem, obrigado. É, na real, considerada parte muito importante do desenvolvimento social da criança. E se você precisava de mais um motivo para querer aprender holandês morando com filho aqui, toma mais esse: você vai se ver com holandesinho/as sob seu cuidado e boa sorte aí falando inglês com eles. E contar com boa vontade do seu sagui para servir de intérprete? Você é mais otimista que eu.
Eu já sou veterano de afs, comecei anos atrás, e hoje em dia os meus já se viram bem sozinhos. Aliás, só estão dentro de casa porque está literalmente chovendo. Na maior parte das vezes eles estão buitenspelen (brincando lá fora), no parquinho (speeltuin).
Sozinhos.
Parquinhos e criando saguis no estilo free range
Na edição #14 eu contei do primeiro dia que a mais velha passou a ir sozinha para a escola, com 9 anos. É também parte de criar saguis aqui na Holanda lidar (e estimular) essa independência de movimentos deles. E se você não faz, prepare-se para ser questionado (pelo próprio sagui, que vai começar a pedir e insistir).
Claro, sendo brazucas, a primeira coisa que nos ocorre é VOCÊ ENLOUQUECEU, SABE O PERIGO QUE... etc. Difícil viver no meio de violência sem desenvolver trauma. Porém. Porém.
Primeiro, a criminalidade é de fato baixa aqui na Holanda, mesmo na terrível metrópole de Amsterdam (estou sendo irônico - Amsterdam só é considerada uma terrível metrópole para os holandeses que não moraram na Vila Andrade em São Paulo. Eu morei). Não é zero, claro que não, e o risco existe sempre. Mas é, tipo, bastante baixo, e há toda uma cultura de independência aqui, e isso inclui as crianças. É totalmente comum crianças aprenderem a andar sozinhas pela cidade ou, ao menos, na sua vizinhança (ir ao "centro" é outra história). Muitos bairros aqui tem aquele feeling de... bem, de vila. De comunidade. Isso se reflete também no cuidado coletivo das crianças. Adultos não veem qualquer problema em dar bronca em filho alheio que esteja sem pais por perto (e as vezes, com pai por perto).
Nisso o mais novo saiu lucrando, porque pode começar a descer pro parquinho sem os pais mais cedo, já que vai com a irmã. E já começa a formar uma gangue de vizinhos que brincam juntos, e tocam campainha um dos outros e saem - meio como nos condomínios de SP, sem a parte do condomínio, na estrutura pública mesmo.
E por falar em estrutura pública, uma coisa bacana é que há parquinhos por toda a cidade. Os holandeses consideram (acertadamente) que brincar ao ar livre é essencial para o desenvolvimento da criança. Eles são grandes fãs do buitenspelen e há inclusive uma regulamentação urbana requerendo uma certa quantidade de parquinhos por bairro. Literalmente ao lado do nosso prédio tem dois, um para crianças menores (com tanque de areia e balanços) e um para crianças maiores (com quadra polieportiva, e brinquedo de escalar). Os nossos usam os dois. Em dias de sol, eles desaparecem e só me aparecem quando estão com fome (ou quando eu desço para chamar porque a janta está pronta, vem pra dentro, sim, agora, para dentro, eu sei, está na hora, vamos com isso).
Crianças e o clima na Holanda
Não que tempo ruim na verdade impeça a brincadeira. Sabe o que eu falei sobre treinar em tempo ruim na Holanda, na edição #23? Se aplica para crianças aqui, ao menos na concepção holandesa de criar filhos. Clima adverso é uma realidade inescapável da vida aqui, é melhor se acostumar.
Na escola, cansei de pegar as crianças encharcadas na saída porque a escola pôs pra brincar abaixo de chuva (e frio, lembra do frio). Ah, frio. Temperaturas negativas e neve? Saguizada tá na rua brincando, nem aí, horas, até virarem pinguins. Tem essa de está frio, vou ficar em casa não. De pequenos, eles saem na friaca e no molhado e no vento, exceto nos momentos mais extremos. Eles aprendem a lidar com o desconforto do clima, de um jeito ou de outro, porque essa é a realidade daqui.
Eu acho interessante esse lance de as crianças se adaptarem as realidades do local que moram. Foi assim comigo, onde eu ia para escola sozinho com 12 anos de bumba, e o Brasil mesmo nos anos 80 não era nenhuma Holanda.
Note que eu sei que a segurança da Holanda não é uma realidade da maioria dos lugares, e isso foi uma das coisas que me atraiu vir morar e depois criar filhos aqui. Quando morava na Vila Andrade, olhando pela janela, vi mais de uma pessoa morrer (uma com dois tiros, e outra numa moto que foi atropelada por uma van. Entrou na ambulância numa maca toda coberta). Eu morava a 500 metros do Shopping Jardim Sul.
Note também que eu não tenho ilusões de que a Holanda é um paraíso onde nada de mal pode jamais acontecer. Esse deslumbramento passa depois de uns meses morando aqui, e já moro desde 2007. Toda vez que meus saguis saem, eu sei que envolve risco. Toda vez que EU saio envolve risco, imagina para crianças.
É uma linha complexa essa de equilibrar independência e desenvolvimento com proteção e ajuda.
Lidando com os (nossos) medos ao criar filhos free range na Holanda
Claro que sempre queremos proteger nossos filhos para que não sofram problemas graves ou permanentes, isso é óbvio e natural e sensato e indiscutível. Claro. Mas… tem sempre que cuidar para não transformar proteger em super proteger, para não transformar poupar sofrimento em poupar todo e qualquer desconforto, ou confundir infância com total fragilidade. Uma coisa é não deixar criança se meter em situação de alto risco, não deixar se machucar à toa, não exigir que eles façam coisas acima da capacidade, e proteger nossos filhos do mundo cruel. É outra resolver tudo para eles e não confiar minimamente na capacidade deles lidarem com dificuldades. Uma coisa é minimizar e gerenciar risco, outra coisa é querer que eles nunca corram risco algum por mais remoto que seja. É uma coisa abrigar nossos filhos com roupas adequadas para o clima, é outra não permitir que jamais sintam qualquer frio.
Crescimento, em qualquer idade, envolve superar e lidar com desconforto.
Agora vamos lidar com outra diferença cultural de criar filhos aqui na Holanda.
Aprendendo a dizer não na Holanda
A real é que nós brasileiros não gostamos de dizer não uns pros outros. Pode reparar. A gente usa "talvez" como não e "sim" como "talvez" ou "sim". Se precisa mesmo sair um não, ele tem que vir acompanhado de uma grande justificativa, algum motivo insuperável e além do seu controle, algo externo que está te forçando a dizer não. Na Holanda não é assim.
Eu lembro que logo que chegamos na Holanda, com a Carla trabalhando numa empresa holandesa, ela me contou sobre como um colega havia pedido para ela fazer um plantão no sábado. Ela começou a se justificar...
- Não precisa se justificar. Se não pode, não pode.
E foi pedir para outro colega.
Outra história: no final de um af, na hora da despedida, com a mamãe já buscando a coleguinha aqui em casa, a minha filha, na época com uns 5 anos, deu algo de presente para a amiguinha. Ela olho para a mamãe dela e disse: "mas eu não quero isso, mamãe".
A mãe dela respondeu, com toda a naturalidade: "tudo bem, agradeça sua amiga e diga que não quer e devolva para ela dar para alguém que queira".
Sua experiência pode ser diferente da minha, mas tenho dificuldade de imaginar uma mãe ou pai brasileiro ensinando isso.
Eu não me importei: naquela altura, com a sagui na escola, eu já tinha bastante consciência das diferenças culturais, e até já achava o approach holandês mais prático e honesto.
Crianças aprendem a dizer não bem cedo na Holanda
Com a entrada da sagui mais velha na pré-escola, eu fui vendo ela se adaptando - no começo as crianças chegavam nela e pegavam os brinquedos, ou empurravam, e ela chorava. As professoras chegavam nela e diziam: "você disse pro amiguinho que não queria? Tem que dizer não."
Depois de um tempo ela já dizia não e a professora só interferia quando o coleguinha não respeitava. E a intervenção era sempre no sentido de "coleguinha, você ouviu a amiguinha? Ela disse NÃO. Você tem que respeitar o que ela está dizendo".
Entende? Não é "coleguinha, pare de fazer isso porque eu estou dizendo", mas "pare de fazer isso porque a sua colega disse não e você tem que respeitar".
E eu lembro que na minha época a gente era ensinado a chamar a tia (na época era tia, hoje mudou, né? Minha sobrinha diz "prôfe"), e aí a tia brigava com o coleguinha. Aqui eu vejo elas sendo ensinadas a elas mesmas se defenderem e dizerem claramente o que não querem, diretamente.
(E ao mesmo tempo, aos coleguinhas, a acatar o não).
Assim eu fui vendo a petizada aqui na Holanda aprendendo a se impor e a dizer não e entendi como que os holandeses adultos aprendem a dizer na lata quando não querem algo, sem se justificar.
E eu com eles...
Ah, quer outro choque cultural? Espera, antes eu preciso contar sobre...
Programas de TV para crianças na Holanda
Na edição #6 eu listei alguns programas de TV favoritos dos meus saguis aqui na Holanda e como assistir, o que pode ser útil não apenas como sugestão para os seus filhos, mas para você mesmo pra você praticar holandês. Muito me aconselharam assistir ao Jeugdjournaal (Jornal da Juventude) quando eu estava aprendendo a falar holandês. (para ser honesto, continuo aprendendo até hoje). Um tanto porque ele usa linguagem mais simples, o que facilita a vida dos saguis e dos seus pais estrangeiros, ao dar as notícias atuais.
E eles passam o Jeugdjournaal na escola também, e muitas vezes eu sou surpreendido com a participação informada da criança nas conversas sobre atualidades no café da manhã. Coisas como o navio de carga entupindo o canal de Suez, as queimadas na Amazônia, resposta global à pandemia, tudo apresentado de uma maneira que eles entendem, mas sem adocicar a coisa.
Outro programa que recomendei na edição #6 e re-recomendo agora é o Klokhuis. Outra fonte de conversas informadas - a guria de repente me sai com comentários corretos sobre evolução humana, ou o princípio de como impostos funcionam, ou sobre a temperatura do corpo humano ou o que é o Ramadan. Na real, acho que muito adulto ia se beneficiar bem de assistir Klokhuis...
A controvérsia na Holanda de um programa para crianças com gente pelada
E teve um programa que passaram na escola deles recentemente e eu ainda não mencionei: Gewoon Bloot (Apenas Pelado). É uma série da NPO onde o corpo humano em sua diversidade é apresentado e discutido com as crianças do grupo 7 e 8 (9-11 anos). Há pessoas nuas num palco, e as crianças fazem perguntas sobre as peculiaridades e variedades e partes do corpo. Os modelos tem o que se pode chamar de corpos comuns, com diversos tipos de cores de pele, tamanhos e formatos, além de idades diferentes.
O programa é bem descontraído e trata o corpo humano de uma maneira natural e não sexualizada (esse é afinal de contas a proposta). Tem também os avisos de praxe: não se deve tirar a roupa porque alguém pediu (incluindo online), se for ficar pelado na frente de alguém tem que ver se a pessoa está okay com isso. Mesmo assim com esses cuidados e com a atitude muito mais casual dos holandeses com a nudez (algo que já vi chocar muito brazuca recém expatriado e as vezes nem tão recente assim), o programa não passou sem controvérsia. Algumas pessoas acharam desnecessário, e o líder do partido Forum voor Democratie (extrema direita) disse que o programa promovia pedofilia e o líder do partido Staatkundig Gereformeerde Partij (direita) disse que "Apenas Pelado não é normal e não deveria ser" (Fonte em holandês).
Eu particularmente reconheço as preocupações levantadas. O programa não ignora isso, e se você assistir, vai ver que é feito com cuidado e consciência de trazer a discussão num contexto bem amplo, incluindo o perigo da pedofilia, ao mesmo tempo que trata a curiosidade sobre o corpo e suas variações como algo normal. Tudo bem não querer que seu filho veja, eu entendo, e acho a discussão sobre o programa ser adequado ou não válida, mas dizer que "promove pedofilia" é bizarro. Aí já é apelação. Enfim, no contexto de mídia social (onde esses comentários foram feitos), tudo é palavra chave e reação emocional, contexto é apagado, nuance inexiste e todo mundo grita, quem grita mais tem mais seguidores, e quem tem mais seguidores grita mais alto.
Na escola eles passaram apenas o primeiro capítulo, com discussão em classe, mas houve reclamações, e pararam, com orientação de cada pai decidir em casa.
A escola dos saguis na Holanda
A escola dos saguis é pública e fica no nosso bairro, o que é prática absolutamente comum aqui. Muito pouca gente vai para escola particular. Até as princesas da Holanda vão para escola pública ( de bike ainda por cima).
Um dos aspectos interessantes do sistema de ensino público holandês é poder escolher (dentro de um limite) o sistema de educação. Além do modelo tradicional, tem o Montessori, Waldorf, Dalton, Jenaplan, Freinet. Montessori é bem popular: no nosso bairro tem mais de uma escola Montessori, por exemplo, e nossos filhos estudam numa delas.
Método Montessori
Talvez a popularidade da Montessori aqui tenha alguma relação com o fato da Maria Montessori ter morado muitos anos na Holanda (ela faleceu em Noordwijk, onde está sepultada). O método Montessori me parece muito interessante, e na verdade eu gostaria de ter estudado nele. Nunca me adaptei ao método tradicional, tinha resistência a ele. Apesar de sempre ter tido uma curiosidade natural e muita vontade de aprender e estudar (até hoje), eu por muitos anos acreditei que eu odiava estudar. Eu cabulava aula para ir na biblioteca da escola ler escondido (e eu li a biblioteca inteira em mais de uma escola: eu ia prateleira por prateleira, pegando um livro depois do outro). Eu de fato lia dicionário: eu li o aurelinho inteiro. E DETESTAVA ficar parado sentado ouvindo professor por horas a fio.
O método Montessori estimula a criança a seguir sua curiosidade natural - não que isso queira dizer "estuda só o que quiser", obviamente. O curriculum todo é passado, de tabuada a gramática, mas de uma maneira mais ativa, onde independência e colaboração são estimuladas, com a orientação do/a professor/a. As crianças sentam em grupos, e não em cadeiras voltadas para frente, e se organizam para fazer as tarefas e lições, podem tirar dúvidas entre si (ou com a professora), podem sair da classe para buscar um livro (e eu cabulava para ir à biblioteca!), tem momentos de discussão com a classe toda... E, sim, tem prova. É um método onde além de aprender as matérias, as crianças aprendem a aprender, o que no mundo pós internet, é meio essencial. Tem inclusive aulas onde se discute como identificar informação válida, verificar notícias, aprender a distinguir boatos de internet (isso no bovenbouw, os grupos 6 a 8).
Ah é: as crianças são divididas em três grandes séries, que estudam junto como uma classe: o onderbouw (grupos 1 e 2), middenbouw (grupos 3, 4 e 5) e bovenbouw (grupos 6, 7 e 8). Sim, crianças de idades diferentes estudam juntas. Quando elas chegam na classe, são integradas e ajudadas pelas crianças mais velhas. Conforme vão se integrando e se adaptando, elas passam a ajudar as novatas. Funciona surpreendentemente bem, ao menos na escola dos meus filhos. Lembro até hoje como a sagui toda tímida foi ajudada quando chegou a primeira vez no onderbouw por uma coleguinha, e lembro do orgulho dela no final do middenbouw ajudando as crianças recém saídas do onderbouw.
Esse sistema também quer dizer que a composição das classes não é constante, e varia todo ano, com crianças chegando e saindo. Por um lado, isso leva a algumas separações. Por outro lado... bem, evita a formação de panelas invioláveis, um problema que eu sofri muito, tendo mudado bastante de escola durante a minha infância, eu sempre sendo "o novato", o recém chegado, o estranho no ninho. Além disso, estimula o desenvolvimento da habilidade de socializar com pessoas diferentes o tempo todo, o que é algo que vamos encontrar ao longo da vida, com novos colegas de trabalho, por exemplo. Acho válido e de novo, na minha experiência particular com meus filhos, funciona bem.
Greves escolares na Holanda
Com tudo isso, é curioso os brasileiros se chocarem quando acontecem greves escolares aqui. "mas é tão bom e funciona!'. Uh, sim, claro, porque a menor ameaça do governo de mexer com o sistema de ensino resulta em forte resistência dos professores. Digo, você não acha uma curiosa coincidência a Holanda ter um bom sistema de ensino público e ter greves de professores apoiadas pelos pais? Será que se tirasse as greves o ensino ia mudar para AINDA melhor com os cortes que os governos gostam de regularmente propor? Talvez... o que sei é que atualmente o método de "se ameaçar tirar grana das escolas e salários de professores vai ter barulho generalizado" tem funcionado.
Que língua meus filhos falam aqui na Holanda
Uma das perguntas mais frequentes que recebo sobre criação de filhos na Holanda é: que língua eles falam? Foi até a pergunta que eu respondi na edição #13 - dá uma lida e você vai descobrir que nós falamos holandês, português e uma mistura dos dois aqui em casa.
Os saguis em particular transitam entre as duas línguas de maneira totalmente transparente, e nós deixamos rolar. Tudo isso está em mais detalhes na #13. O que eu não falei ainda é sobre como eles aprenderam holandês. Certamente não foi conosco e nosso holandês abrazucado no sotaque e erros gramaticais de pais que aprenderam depois dos 30.
O que a gente fez foi, primeiro expor a língua: os desenhos sempre foram em holandês. Depois, socializar as criaturinhas com os holandeses, o que foi importante também no aspecto de desenvolvimento, uma vez que não tinha priminhos e filhos de amigos em volta. Para isso, a gente inscreveu logo de cara na voorschool (pré escola). Isso é meio crítico ver logo, porque as vezes demora para ter vagas e rola uma fila de espera razoável.
Veja que você não é obrigado a colocar o filho na voorschool. E também é importante notar que a voorschool não serve como creche: é um período bem curto na manhã e nem todos os dias da semana. Meu trabalho é independente: blogueiro é um emprego instável, como a pandemia deixou bem claro ao extinguir essa minha fonte de renda, mas por outro lado... horários flexíveis. Eu podia ficar com os saguis. E a voorschool tem um trabalho mais pedagógico, e voltado a educar, e isso inclui ensinar a língua para os aprendizes de holandesinhos.
Durante a adaptação eu pude acompanhar de perto o trabalho feito pelas professoras (época pré pandemia, a gente podia fazer essas coisas loucas como conviver com pessoas que não moram com a gente). Além da língua, outros aspectos da cultura já começavam a ser passados. As musiquinhas, festas e folclore, a fábrica de holandesice já estava trabalhando. E isso só continua na escola. Não importa como eles entram, mas eles saem do outro lado bem holandeses. Eu por mim acho ótimo, uma vez que alguém precisava ensinar meus filhos a serem holandeses para morar aqui, e não teria como ser eu. Ao contrário, até aprendo com eles.
Alguns talvez ainda lembrem do videozinho no Insta Stories que fiz uns anos atrás da minha filha corrigindo minha pronuncia? Yeah. Rola isso e mais.
No fim, eu adoto a mesma postura com que vim para a Holanda: mente aberta e jogo de cintura. Ficar querendo criar a mesma vida que eu tinha no Brasil aqui é artificial, estressante e, no fim, um contra senso. Isso se aplica para criação de filhos, choque cultural e língua inclusos.
Frase da semana
Obrigado e até a próxima edição
Okay, essa foi uma edição meio atípica, onde peguei um tema comum para falar. Semana que vem eu volto a variedade habitual. Tenho certeza de que vários coisas que falei aqui podem ser surpreendentes para muita gente, e quero saber de você o que achou. Se você está inscrito na newsletter (o formulário está no começo, lembra?) me manda um email contando as partes que você não esperava, ou perguntando sobre as partes que quer saber mais. Esse retorno é essencial para mim (e apenas para mim, o algoritmo nem fica sabendo dele).
De novo, eu lembro que esse projeto é totalmente independente e conta com seu apoio para continuar. Eu expliquei no começo os motivos para você apoiar, e deixo aqui o botão de apoio novamente:
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