Relatos de viagem: o Mortificante Mico do Posto de Gasolina Suíço
Como tentar abastecer um carro na Suíça me tornou argentino por um dia
Já estávamos andando com o carro há alguns dias, dando a volta no Lago Genebra e parando nas cidadezinhas a sua beira. Havíamos andado debaixo de nevasca por muitas estradinhas serpenteantes no meio dos Alpes, sempre ladeando abismos sem guard rail. As estradas eram traiçoeiras, frequentemente mão dupla em pista única, e a ideia de bater, derrapar e morrer em uma explosão alpina a la filme do James Bond era plausível em nossas mentes.
Mas nada nos assustava tanto quanto a ideia de que teríamos de abastecer o carro.
O carro, um Ibiza, era muito econômico, mas mesmo que tivéssemos conseguido fazer a viagem toda com menos de um tanque, teríamos de entregar o carro completamente abastecido. E teríamos de fazer isso nós mesmos, já que 99,9% dos postos europeus são self-service.
Grande lance é que, após uma vida toda apenas entregando a chave pro frentista no Brasil, nós não sabíamos abastecer o carro!
Tá, tá, pode rir. Os europeus sempre dão risada quando eu conto. É meio que nem dizer que, sei lá, você não sabe usar microondas. Se você fala isso, tudo bem, pode acontecer, mas espere olhares como se você fosse meio estúpido.
Nós comentávamos, dando risadinhas nervosas, de vez em quando, enquanto o Ibizão devorava os quilômetros alpinos:
- A gente precisa parar pra abastecer, né?
- É. Mas ainda tem bastante gasolina.
Silêncio.
- Quão difícil pode ser, vai?
Risadinhas nervosas.
Finalmente, depois de saírmos de Montreux, pedimos pra Catarina nos indicar um posto perto. Catarina era a voz portuguesa de nosso GPS.
Ah sim, essa história se passou na época que GPS era um dispositivo a parte que você tinha de comprar ou alugar. E pior ainda, a voz brasileira era preciso pagar a parte. Nos recusamos, e fomos seguindo a Catarina mesmo.
Eventualmente a Carla brigou com a Catarina, e acabamos a viagem com a Jane, britânica. Mas nessa hora era ainda a Catarina, que após errar dois postos (a Carla só olhando pra ela, essa Catarina tá de sacanagem comigo), finalmente nos achou um no caminho. Encostamos o Ibiza ao lado das bombas, lembramos que a locadora havia dito que ele usava "benzene". Não fazia ideia do que seja “benzene”, mas até aí nem a Carla, e um dos dois tinha que ir pro sacrifício. Ela me olhou com um olhar de “só eu dirijo nesse casal então agora é contigo ou você fica a pé”. Desci, cavalheiro romântico que sou, pra ir lá adquirir o símio.
Três bombas encontrei, cada uma marcada com uma cor e um código. Procurei a tal da benzene. Tinha: S90... E90... Hm, talvez a próxima seja "benzene". Faria todo o sentido, claro. S90, E90 e benzene.
Não, era E60.
Informei à minha donzela em perigo que o “cavaleiro andante” (já que ele não dirige) ia ter de pedir ajuda. Fui até a casota do posto, onde ficam os caixas que você paga após abastecer. O caixa do posto olhou, viu no sistema que eu não havia usado a bomba, e deve ter pensado: "que cara sem noção".
Ah, mas ele não tinha ideia.
Gastei duas das três frases em francês que sei pedindo desculpas e pedindo pra falar inglês. Dei sorte, o cara falava um pouco. Expliquei a situation com cara de quem pede papel higiênico na casa da sogra na primeira vez que você vai jantar lá porque acabou no banheiro. Perguntei qual era a "benzene".
— Não faço idéia senhor. Aqui no país temos 3 tipos de combustível: S90, E90 e E60.
— ? (isso é cara desolada de "e agora"?)
— Talvez esteja especificado algo no manual do carro?
Oras, uma ideia inteligente! Agradeci, voltei pro carro, entrei porque tava frio pra cacete e porque o manual estava no porta-luvas. Abri e o manual estava em alemão.
...
Dez minutos depois eu e a Carla estávamos virando as páginas enlouquecidos, empatando a fila na bomba, tendo uma entusiasmada discussão de relacionamento disfarçada de colóquio linguístico. Quando fomos interrompidos por três batidas na janela do carro. Era o caixa. Ele havia saído da casota e vindo até nós. Abri a janela.
— Precisam de ajuda?
— Pode-se dizer que sim.
Ele pegou o manual, deu risada e devolveu instantâneamente, "tsá, alemão", olhou pro bocal do tanque de gasolina do carro, abriu a tampinha e sorriu. Apontou pra mim. Estava escrito lá "S90".
- Acho que o seu combustível é S90.
- Acho que sim (tradução: quero sumir.) Obrigado. (tradução: quero sumir agora.)
Resmugando sobre o sistema suíço de combustíveis, sobre o cara da locadora e seu maldito "benzene", e tudo o mais que me ocorria, pedi pra Carla abrir o tanque com a chave do carro enquanto eu pegava a mangueira da bomba. Esperei.
Esperei.
Resmunguei. Ela me disse "não tô conseguindo abrir."
— A sério?
— A sério.
— Me dá aqui a chave!
Guardei a mangueira (essa frase soou mais pornô do que foi), e virei a chave no tanque. Em falso. De novo. Em falso. A chave não abria o tanque. Olhamos desolados. Ficamos parados, olhando o carro, no frio de dois graus suíço. A Carla timidamente sugere:
- Vamos pedir ajuda pro caixa?
- Prefiro a morte.
- Mor, você tem alguma outra ideia?
- A morte!
- Mor...
- Eu não vou lá de novo!
E você achando que o cavaleirismo andante morreu na idade média. Ele morreu em um posto de gasolina suíço em 2009. A Carla fez o que qualquer mulher sensata faria: me largou falando sozinho. E foi lá ela mesma pedir ajuda. O cara voltou já rindo.
- O tanque... a chave... - balbuciei.
Ele me olhou sorrindo. Pegou a chave. E girou pro lado inverso. Abriu. Ainda sorrindo, me devolveu a chave e me explicou bem devagar:
- Você tem de girar a chave no oooooutro sentido.
Olha, eu nunca gostei muito de carros, eu não me interesso por eles, mas eu já tinha aberto um tanque nos nossos carros no Brasil. E a chave... girava... PRO OUTRO LADO! INFERNO!
Com uma nuvenzinha de fumaça escura sobre minha cabeça, peguei a mangueira, puxei até o tanque e...
Quase cai pra trás: o carro estava muito longe e a mangueira esticou ao máximo e travou com "clanck", me puxando de volta como um peixe no anzol. A esta atura já éramos atração no posto. A Carla entrou pra puxar o carro pra frente. Esquecendo a chave na tampa do tanque. Voltei pra entregar pra ela. Ela puxou o carro. Consegui abrir o tanque sem ajuda externa pela primeira vez. Comecei a abastecer. O tanque ficou cheio, o gatilho da mangueira fez "cluck" e travou - pronto, terminei. Tirei a mangueira de uma vez, sem saber que sempre fica um restinho de combustível. O restinho de combustível desenhou um arco no ar, espalhando-se por todo o posto, quase pegando a Carla em cheio, que deu um pulão pra trás enquanto gritava AAAAI!
Juro que não sei como que os outros motoristas não aplaudiram e jogaram moedas pra gente.
Fui lá na casota pagar no caixa. Eu havia decorado o valor, sem saber que eles tem um sistema que mostra o valor gasto na bomba. Você só tem de dizer o número da bomba. Eu não sabia disso. Eu cheguei e disse:
- Foram trinta e cinco francos...
- ...e cinquenta e dois centavos. Vocês são a bomba cinco.
- Olha, muito obrigado pela sua ajuda.
- Ah, mas foi um prazer - sorrizão aberto.
- Sabe, eu juro que nós temos carros lá no meu país...
- Tenho certeza de que sim, senhor.
- ...a ARGENTINA!
Tá bom, as 3 últimas frases não aconteceram de verdade. Pensando bem, nada disso aconteceu! É tudo... hã... "mentira". Hm. Licença... poética.
Choro.
FIM DO RELATO
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Por fim, se você gostou dessa relato de viagem, leia o outro, onde fui me enfiar no extremo norte do planeta, sozinho, eu e as renas, e achei um urso em lata.
Muito obrigado e Forte abraço!
Daniduc
Estou, com todo o respeito, porém, rolando de rir… 😵💫
Já passamos alguns perrengues semelhantes também! Pelo menos depois sobram as histórias para contar! 26w256🤣