Morar fora do Brasil: 5 vantagens (e 5 desvantagens)
E aí, tudo bemcontigo?
Esse post foi publicado originalmente no Ducs Amsterdam, mas estou trazendo para a lista, onde estou concentrando o meu conteúdo sobre vida na Holanda. Fica como um post extra essa semana. É uma oportunidade para você ler ou reler, se tem curiosidade das vantagens e desvantagens de mudar de país.
Antes de resolver morar fora do Brasil e me mudar pra Holanda, eu tinha uma série de ideias de como seria esse negócio de "morar fora".
Quebrei a cara em exatamente todas elas.
Mesmo as que eu esperava e sabia — por exemplo "dá saudades da família" — eu descobri que doía diferente do que eu pensava. Essa foi a primeira lição que eu aprendi: é tudo como você pensava, mas totalmente diferente do que você pensava.
Como eu falo dos dois lados da moeda, é garantido de irritar todo mundo.
Tá, tá, vou tentar explicar. É uma curiosidade que muita gente tem. O problema é que esse assunto é cem por cento garantido de dar pau nos comentários. É batata (amassada com verdura e servida com linguiça), o povo se altera, o amor acaba, sai batendo a tampa do laptop, os trolls se assanham, é uma lambança.
É fácil entender porque: eu falo de vantagens e desvantagens de morar fora do Brasil, coisas legais e dificuldades. E aí vem o leitor que tá sonhando em morar fora, lembrando das férias sensacionais que passou na Holanda, estressado no trânsito e com medo de assalto e irritado com vizinho mal educado e político ladrão. E ao ler "olha morar fora tem certas dificuldades", ele sente o sonho ameaçado, fica irado, me xinga de mal acostumado, reclamador de barriga cheia, etc e tal.
Só que eu também falo das coisas legais; e daí o leitor que tá no exterior sofrendo choque cultural, que entende qualquer elogio a outro país como insulto pessoal ao seu senso de patriotismo, lê e fica irado, me xinga de deslumbrado, de colonizado, de paga pau de gringo. Etecetera e tal.
Depois de quase uma década e meia, a Holanda é a minha casa. Isso não quer dizer que é fácil, e obviamente não é perfeito. Saber reconhecer as dificuldades ,e um jeito de aprender e crescer. Para mim, mudar de país foi uma das melhores coisas que fiz na vida. Para outros, um grande erro que corrigiram na primeira oportunidade. Mesmo para esses, a experiência foi enriquecedora.
Os dois estão certos. O mundo não é binário.
Tá, vamos lá. Do meu ponto e vista, deixa eu te contar primeiro sobre as desvantagens de morar fora.
Desvantagens de morar fora do Brasil
1. Choque cultural dói
E não é pouco. Eu sempre lia sobre ele, mas só quando achatei o nariz nele eu entendi porque se chama "choque" cultural e não "transição suave e super tranquila" cultural.
É o seguinte: cultura é visão de mundo, e ao mudar de cultura você tem sua visão de mundo desafiada, e se você acha que isso é fácil, bem-vindo à Terra, marciano. Não, cara, seres humanos sofrem quando a visão de mundo é desafiada e são forçados a mudar o jeito de pensar.
E de repente você está lá, lidando e negociando e vivendo e trabalhando e discutindo e criando filho entre pessoas que simplesmente não compartilham sua visão de mundo e, tipo, você é o estranho.
É difícil, e tem hora que sobe o sangue (especialmente quando alguém faz algo que na sua cultura é traduzido por "vamos pro pau agora porque eu simplesmente não te respeito", mas na cultura local quer dizer "todo mundo faz assim e é normal, não faço idéia de porque você tá estressado").
E aí tem toda a alegria de você começar a entender o que é diferença cultural e o que é loucura e piração específica da cabeça daquele indivíduo que tá te tirando do sério.
2. Reconstruir sua vida não é fácil
Daí que meu visto finalmente saiu, eu voltei pra Holanda, agora sem data específica pra voltar, a Carla saiu pra trabalhar, eu disse "chau, mozizi..." hã, *cof*, "até breve distinta esposa", e olhei com as mãos na cintura em volta e pensei:
— Puta merda e agora?
Nós abrimos mão do nosso círculo social pra irmos a um país que não falávamos a língua, aprender a fazer tudo do começo porque, tipo, a gente não foi criado aqui e de repente não sabia nem onde comprar um parafuso ou onde arrumar o dente, todo aquele apoio que você tinha das pessoas e da segurança de saber se virar num país sumiu, e você tem de inventar sua vida de novo.
Foi meio apavorante.
Esse é um item que eu tenho certeza de que tem alguém correndo pros comentários pra gritar como isso é legal na verdade e que daria tudo pra estar no meu lugar. Eu só digo uma coisa: eu concordava com você. Até passar e descobrir que reconstruir vida é negócio trabalhoso e ter infinitas possibilidades sem ter ideia de por onde começar apavora, sim.
Eu sei que você acha que não. Eu também achava.
3. Os amigos do Brasil se afastam
Primeiro é aquele monte de despedida, mó festa. Depois eles começam a vir e ficar no seu sofá aproveitando a estadia grátis no estrangeiro. Depois eles voltam e continuam a viver e a sair entre eles, e a passar por coisas junto que você não passou, e a fazer piadas internas sobre situações que, ah, é, você não viveu, ok, deixa eu te explicar, é, é meio sem graça falando assim, você tinha de estar lá na hora...
Novas gírias surgem, você de repente nem entende mais o que eles tão falando, e daí você começa a se dar conta que relação só existe com convivência.
Prepare-se pra perder amigos. Não que eles deixem, assim, de ser seus amigos, ou que você irá brigar com eles, mas você irá perdê-los por simples e pura deriva continental, afastando um centímetro por ano, até haver um oceano entre vocês.
4. Distância da família e amigos dói (de um jeito que eu nem imaginava)
Eu achava que era assim, daria uma saudade, saca, de ir na casa da família todo domingo e tal, que seria incômodo, mas parte da vida. Eu estava enganado.
Não no começo, claro. No começo é bem assim. Mas com o passar dos anos, mais cedo ou mais tarde, vai acontecer algo na sua família que você queria estar lá junto. E não pode.
Tanto coisas boas quanto ruins. Por exemplo: quando minha cunhada engravidou, ela ligou no Skype pra dar a notícia. Poxa, legal, Skype, coisa do futuro, super Os Jetsons, melhor que carta demorando duas semanas de navio. Certo.
Mas então, todos reunidos no lado de lá, todos falando contentes, aquele brilho no olhar, nós aqui pulando de alegria, querendo dar um abraço e não podendo, quando de repente, eles anunciam:
— Então temos de desligar, porque vamos todos naquele restaurante legal que a gente sempre ia pra comemorar.
E quando rolou o "bluft" de fim de ligação do Skype, ficamos eu e Carla olhando pra tela fria do computador, quietos.
Demorei 2 anos e meio pra conhecer a minha sobrinha ao vivo.
E nem vou entrar no assunto de quando rola um perrengue forte — doença, falecimento, momentos chaves em que a sua força seria importante e você tá a 12 mil quilômetros de distância, e Skype nessas horas ajuda picas. Aconteceu comigo e dói de maneira inimaginável.
5. Sempre serei estrangeiro
Não tem jeito. Tem certas coisas que não se pega, mesmo morando anos e anos e anos e anos no lugar. Eu não fui criado aqui, eu não cantei as musiquinhas que eles cantaram na escola, eu não vi os mesmos desenhos animados com a dublagem engraçadinha daqui, eu falo com sotaque, tem piadas que vou morrer antes de entender, e por mais que eu adquira a cultura do lugar eu nunca serei nativo dela e isso se sobressai.
Além disso, sim, sempre tem aquele lance sutil e subentendido de "que que cê tá fazendo aqui?", mesmo quando é bem intencionado e não-agressivo. Por que você abandonou seu país?
Eu sempre serei "o de fora", o "que fala diferente", o "gringo" por assim dizer. E tem horas que isso cansa.
Por outro lado, se cansa, tem coisas que compensam, e de longe. Nem tudo é perrengue e dificuldade. Tem, sim, muitas...
Vantagens de se morar fora do Brasil
1. Meu mundo ficou maior
E não só literalmente, com mais lugares diferentes que eu conheci, mas ficou maior dentro da minha mente. O choque cultural me forçou a perceber que minha visão de mundo está longe de ser a A Certa, mas mais ainda, está longe de ser A Única.
E isso é sensacional. De repente um mundo de possibilidades se abriu, e minha visão de realidade ficou muito mais rica, muito mais cheia de nuances que eu nunca teria visto se não tivesse me enfiado num avião da KLM com 2 malas de 32 quilos e nenhuma idéia do que me aguardaria dali pra frente.
2. Redescobrir a sua vida é muito legal
Se não fosse a mudança de país, eu nunca teria feito o Ducs Amsterdam. Você não estaria lendo isso, pouco provável que eu tivesse um blog como uma empresa, onde eu estou inventando algo novo.
Às vezes precisamos engolir em seco e pularmos no abismo pra sair da inércia que estávamos. E por mais dolorido que seja esse processo, as recompensas podem ser amplas.
3. Minhas amizades ficaram mais diversas
Ok, verdade que me afastei de muitos amigos que ficaram no Brasil. Por outro lado, conheci gente das mais diversas culturas, aprendi sobre países que eu só sabia o nome (e olhe lá) da melhor forma possível (conversando em meio a cervejas com um nativo de lá). Sim, claro, visitar o país é sempre bom, mas falar com um nativo, te contando, empolgado pelo segundo copo de cerva 8%, te dá insights que nenhum turismo dá.
E percebi que gente legal é gente legal em qualquer língua.
4. Minha filha terá mais de uma cultura
Verdade que saudades da família dói, e isso não tem jeito. Mas, por outro lado, a vida continua e se renova, e minha filhota nasceu aqui. E em vez de uma cultura, ela terá, de cara, duas. De saída o mundo dela será muito maior do que o meu na idade dela, e isso abre portas infinitas pro futuro. E, se abrir portas pro futuro de sua filha não é uma vantagem, eu não sei o que seja...
5. Cidadão do mundo
Sim, ser estrangeiro não é fácil. Mas por outro lado, é muito libertador perceber, após seu primeiro expatriamento, que você tem o jogo de cintura necessário pra enfrentar o processo, que há muito o que se ganhar depois que se paga o preço de aprender pela dor e que sobreviveu ao vendaval do mundo lá fora.
E de repente o vendaval é mais um vento inflando suas velas e você se lembra que o mundo é grande, cheio de possibilidades e nada te prende a um lugar se você não quiser ficar preso.
Obrigado pelo apoio
Aqui eu me despeço, como sempre, agradecendo pelo seu apoio ao Daniduc na Holanda. Se você pode dar um apoio financeiro, muito obrigado de coração — sua contribuição permite esse trabalho continuar!
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Ah, e o primeiro relatos de viagem sobre minha estadia na Lapônia durante o verão tem excelente retorno, e a história irá continuar. Vale a pena ler o primeiro capítulo, se ainda nã leu. O pessoal gostou!
Por enquanto é isso. Forte abraço e bom fim de semana!
Daniduc
Eu só tive uma enorme decepção quando mudamos pra Itália: achei que eles eram tutti buona gente, e descobri que há muuuuitos xenófobos entre eles. Para quem tinha feito escola italiana e frequentava os festivais da Bela Vista, foi um choque. De resto, minha adaptação foi extremamente fácil.
Porém, quando mudei para os USA, foi literalmente zero choque. Zero. O choque começou quando da eleição do laranjão - mas aí é tutta un'altra storia... ;-)
Morar em estados diferentes dentro do mesmo país já dá uma amostra grátis disso. A sensação de perder tudo que familiares e amigos fazem juntos dá um aperto. A vida comum não permite que se pegue um avião para cada aniversário de sobrinho ou chá de bebê das amigas. Por outro lado é ótimo se livrar da convivência compulsória daquela cunhada mala kkkkkkk