Quando milionários (e pessoas comuns) compram ilusões
E aí, tudo bem contigo?
Eu sei, eu sei, já mandei um email essa semana. Mas o submarino perdido na exploração do Everest é um assunto recente, e que muito me atraiu a atenção, sendo num um nerd fascinado por histórias de exploração de extremos. Exploração polar, alta montanha, espaço, profundidades oceânicas me atraem, e há anos estudo o naufrágio do Titanic. Não vou resumir os acontecimentos, porque você provavelmente está bem a par do que rolou. Mas vou falar de alguns aspectos que me ocorreram (sim, incluindo sobre bilionários comprarem passeios extremos normalmente reservados a especialistas treinados em missões sérias).
Olha, eu entendo totalmente o impulso de ir fazer algo extraordinário. Eu vou confessar que houve momentos da minha vida que eu teria aceitado a oportunidade de descer e ver o naufrágio. Certamente quando eu tinha 19 anos eu teria ido sem nem pensar (mesmo porque uma coisa que moleque de 19 anos não faz muito bem é pensar sobre riscos e tal). Claro, eu nunca tive 250 mil dólares sobrando e, depois de adulto, mesmo que fosse convidada como mídia, como foi o caso do repórter da CBS ano passado, eu não iria - a responsabilidade de ser pai pesa em mim muito mais do que qualquer fascinação. O fato de um pai não só ter ido, como levado seu filho pro abismo me deixa… incomodado. Porque entendo o impulso dele, mas ao mesmo tempo, me enerva o fato de ele não ter controlado.
Muitos dos astronautas do programa Apollo, que foram a Lua, eram pais, o que eu já não faria, mas não me incomoda tanto, primeiro por eles serem especialistas altamente capacitados em uma missão de expansão de conhecimento humano (e não tratando como uma atração Disney Extreme Plus), e dois, eles não tentaram levar seus filhos a Lua.
Dinheiro não compra habilidade, mas compra ilusões (dica de livro)
Há bastante tempo essa questão de pagar pra comprar lugar em expedições me chama atenção. Em 1996, o jornalista Jon Krakauer foi convidado para participar de uma expedição comercial ao topo do Everest. Era um modelo de negócios novo, onde montanhistas financiavam suas expedições vendendo lugar para milionários atraídos por aventura. Muita gente estava criticando, o assunto causava interesse na comunidade, e a revista Outside conseguiu uma vaga para reportar a experiência (como o jornalista da CBS conseguiu uma vaga no Titan).
Krakauer era ex-montanhista convertido em escritor e jornalista. Ele havia largado o montanhismo quando se casou, a pedido da esposa, que colocou como condição pro matrimônio - não queria virar viúva prematuramente. Ele aceitou e assim estava, até surir o convite.
A esposa ficou chocada de ele estar sequer considerando. Disse que se ele fosse, ela não estaria lá esperando na volta. Ele disse que ela estava exagerando, que era seguro se não não levariam milionários lá, e o sonho do montanhista ter acesso ao mítico monte ganhou. Ele foi.
E quase morreu. Outras 8 pessoas não tiveram tanta sorte, incluindo o líder e organizador da expedição, CEO da empresa, ele mesmo um montanhista experiente. Uma grande tempestade caiu no dia, causando as fatalidades durante a descida (na temporada ao todo foram 12 mortes). Krakauer narrou experiência no livro Into Thin Air (No Ar Rarefeito), e o episódio gerou mais de um filme e alguns documentários também. Recomendo muito ler, se você ficou intrigado pelo desastre do Titan. Você nota as similaridades, certo?
Quem paga a conta da ciência?
Havia um cientista sério entre as fatalidades do Titan. Especialista que começou a carreira na marinha francesa, ele pilotou expedições ao Titanic desde 1987. Muita ciência séria foi feita no local, desde pesquisa histórica até descobertas sobre biologia marinha, como a descrição da bactéria que está decompondo o casco do Titanic (e especula-se que possa ser usada na decomposição de escombros que poluem o fundo do oceano em outros locais). Não é por ter um apelo romântico de aventura que não é ciência (Indiana Jones, por outro lado, é só romance).
Mas a questão é: A grana dos passageiros de luxo financiava pesquisa também. Isso justifica? Ou é só mais uma racionalização por milionários se sentirem bem esbanjando seus recursos comprando lugar de especialistas treinados (e que aceitam bem conscientes os riscos que correm para expandir o conhecimento humano)? Há lugar para iniciativa privada na ciência e exploração ou deve ser papel exclusivo do governo?
Não fazer ciência é uma péssima opção. Eu acredito na expansão do conhecimento, e isso inclui ir a lugares onde nenhuma pessoa foi antes (ou ir a lugares que poucas pessoas foram porque é perigoso pra cacete). Mas quem paga a conta e como é um assunto com mais nuance.
Enquanto você rumina essas questões, eu resolvi republicar aqui um ensaio que escrevi em 2015 sobre a comercialização do Everest. Estou deixando como conteúdo extra para os apoiadores da Newsletter. Você pode ler na web direto no Substack ou baixar o PDF linkado. Se você quiser ler basta se tornar um apoiador (e fica junto meu muito obrigado).
Forte abraço
Daniduc
Explorando o Everest: a comercialização da montanha e relações de trabalho no topo do mundo
Explorando o Everest: duas épocas, dois significados
Quando Sir Edmund Hillary e Tenzing Norgay finalmente alcançaram os 8848 metros do cume do Monte Everest em 1953 eles poderiam muito bem estar chegando na Lua ou outra paisagem extraterrestre. Usando máscaras de oxigênio, eles estavam dentro da Zona da Morte, como os alpinistas chamam altitudes acima de 8000 metros onde o ar rarefeito demais não pode sustentar vida humana por tempo prolongado. Tão distantes de ajuda ou resgate quanto estariam em Marte, os primeiros seres humanos a pisar no topo da montanha mais alta do mundo estavam chegando num dos lugares mais desolados e isolados da Terra. Mas isso era em 1953; hoje em dia não é mais assim.
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