O dia que meu prédio pegou fogo em Amsterdam
Como uns vizinhos puseram fogo no prédio, e outra vizinha nos salvou, acionando a rápida ação dos serviços de emergência na Holanda
E aí, tudo bem contigo? Beste wensen!
(isso seria algo como “Bons augúrios” em holandês, a gente diz na época que vira o ano)
Espero que você tenha tido um excelente fim de ano e desejo um 2024 fantástico!
Nós passamos o ano tranquilos dentro de casa, que passou a minha fase de ir pra rua no inverno holandês para pegar chuva, frio e fugir do foguetório que toma conta de Amsterdam.
Não, é sério, eles piram aqui no ano novo com os fogos. Costumavam ser liberados só na noite do ano novo, mas a demanda reprimida do ano todo explodia (literalmente) no dia 31 e estava dando muito acidente.
Geral queimava milhões de euros em fogos, soltando com abandono e desapego total pela segurança (própria e dos outros). Além disso, fogueiras se acendiam e andar por Amsterdam lembrava filme de pos apocalíptico.
Eventualmente o governo decidiu que, de fato, a galera estava meio sem medidas e proibiu geral os fogos também na noite de ano novo, já que já eram proibidos durante o resto do ano.
Não adiantou muito. Vi pela janela na minha rua pessoas jogando fogos uns nos outros, nos carros e teve literalmente uma fogueira acesa. O que é surpreendente, porque no resto no ano, os amsterdameses são muito tensos com fogo — dado que muito da cidade tem prédios ainda comm estrutura de madeira. É fácil o fogo se espalhar rapidamente.
Eu inclusive testemunhei em primeira mão a ação rápida dos bombeiros e serviço de emergência aqui na Holanda. Eu morei em um prédio com estrutura de madeira. e ele pegou, de fato, fogo.
Eu estava morando na Holanda a poucos meses, em um apartamento do primeiro andar, famosamente em cima de um Coffeeshop (se você não sabe, são aquelas “cafeterias” que vendem maconha da Holanda). Esse prédio pegou fogo um dia, e o coffeeshop estava inocente na história. A culpa foi dos vizinhos.
Foi assim:
Estava rolando a Eurocopa 2008. O país estava todo de laranja para a estréia da seleção holandesa contra a Itália. A Holanda, como eu disse, se vestiu com a cor nacional e parou pra ver os italianos levarem um toco de 3 a 0.
Para comemorar a vitória da Oranje (como os holandeses chamam a seleção deles, se diz “orâniê”, quer dizer “laranjinha”), nossos vizinhos de prédio, do terceiro e último andar, resolveram subir para o telhado, ao qual somente o apê deles tem acesso, pra fazer um churras ao ar livre na gloriosa noite.
Mas veja você, como não há uma churrasqueira no telhado, eles levaram uma portátil pequenina, muito popular por aqui.
Aparentemente eles se empolgaram e foram, hã, "dormir" sem apagar direito o fogo. Depois eles efetivamente caíram no sono relaxante pós vitória, se é que você me entende, felizes com a vitória e comemoração. Estava tudo bem no mundo.
Não estava.
Dois apartamentos mais para baixo, onde nós morávamos, estávamos eu e a esposa, Carla, dormindo tranquilos, também convencidos que estava tudo bem no mundo.
Umas 3 e meia da madrugada fomos acordados pelo uivo longo e constante da campainha. Pulamos da cama, tontos e sem saber o que estava rolando. Ouvíamos pessoas esmurrando a porta do prédio - que não tem porteiro, o prédio são basicamente três apartamentos um em cima do outro. Há uma porta comum levando pra escadas que dão acesso aos 3 apês.
Na porta da rua tem uma campainha com três botões, uma para cada unidade. E nem fodendo que iríamos abrir a porta da rua as 3 e meia da manhã sem saber o que está rolando direito. Éramos recém mudado do Brasil e ainda traumatizados com a violência urbana (testemunhei pela janela um assassinato na rua do prédio que morava em São Paulo).
A campainha continuava estridente, e pessoas faziam uma confusão na porta da rua. Correndo, me esgueirei pra espiar pela janela quem era, mas não consegui ver nada. Escutei a porta da frente ser arrombada e pessoas subindo as escadas correndo. Panicando, porque obviamente achamos que o prédio estava sendo invadido para um ataque, escuto pessoas esmurrando a nossa porta.
A Carla saiu correndo pra pegar o celular e ligar pra polícia, estamos sendo invadidos! Enquanto isso, fui para a cozinha, que era o cômodo mais distante da porta de entrada, ver se abria a janela para pedir socorro.
Foi quando eu vi luzes azuis e vermelhas, pessoas uniformizadas correndo, veículos de emergência e uma grande comoção. Não precisávamos chamar a polícia, ela já estava aqui. Ela e os bombeiros.
Calmamente, com todo o controle, disse para a querida esposa:
- Meu amor, acabo de notar que há pessoal de emergência na rua, e aparentemente é aqui. Será que não seria uma boa abrirmos a porta da frente pra vermos o que é?
(O que é a tradução polida e controlada do que efetivamente disse: AAAAHHHH, ABRE, ABRE, É AQUI! ABRE LÁ QUE DEU RUIM!)
A Carla correu pra porta e abriu. Demos de cara com diversos bombeiros zunindo escadas acima, em direção aos andares superiores. WHAT IS GOING ON? perguntou a Carla (não seria util dizer “bom dia” que era a única coisa que sabíamos falar em holandês na época).
- FIRE, GET OUT OF THE BUILDING, NOW, NOW, NOW! Foi a resposta.
Eu já estava correndo para a rua de cuecas quando a Carla me alertou que talvez fosse esperto por calça e agarrar yuma blusa para não congelar na madrugada do outono holandês. O passaporte já estava no bolso da calça, e foi por pura sorte que sai documentado na rua.
Quando saímos, olhei para o prédio. Estava em chamas.
Não por muito tempo. Em questão de, sei lá, segundos, os brandweerlieden (bombeiros) apagaram o incêndio. Na rua havia caminhões de Bombeiros, Polícia e paramédicos. Estavam com escada magirus, o circo completo. Isolavam a rua e evacuaram as pessoas do prédio vizinho.
Ao nosso lado, olhando o espetáculo, estavam nossos dois vizinhos do terceiro andar. Eles já começaram a se desculpar. Estranhei, não entendi o motivo. Eles nos contaram a história da churrasqueira abandonada pós “comemoração”.
Ah. Certo.
Nos refugiamos na casa da uma vizinha, que nos recebeu super bem, fez chazinho, consolou e tudo. Descobri que havia sido ela que havia chamado os bombeiros. Ela estava chegando de madrugada em casa, viu o incêndio, e ligou para 112 (o telefone de emergência unificado daqui). E foi ela que estava tocando a campainha, antes mesmo de vir o serviço de emergência. Por isso acordamos com campainha tocando e não com sirenes.
Ela salvou a vizinhança, nós inclusos. Ela, e a ação rápida do serviços de emergência. Eles já mandam os três, a polícia para coordenar, bombeiros para combater e paramédicos para socorrer. Muito eficiente.
Algumas horas depois os bombeiros nos liberaram pra voltar pra casa, declarando o prédio seguro. A estrutura não havia sido afetada, sem danos no nosso apê, nenhum ferido. O vizinho precisariam de um telhado novo, entretanto. E consertar alguns danos feitos pelos bombeiros no combate. Mas ele também pode voltar pro apê, mais tarde.
O tempo todo os bombeiros e policiais foram extremamente educados e profissionais.
No dia seguinte recebemos a visita de dois vizinhos com uma cara de cachorro que quebrou panela, segurando uma caixa de bonbons artesanais.
- Uh... er... sorry?
- Well, shit happens, respondi, e aceitei os bonbons. Fazer o quê?
Nós, por nossa vez, demos um buquê de flores pra vizinha que nos salvou e nos acolheu durante a emergência. Ela contou que trabalhava em esquema de plantão, e estava voltando do turno da noite. Muito obrigado, antiga vizinha! Possível que sem você não tivesse Daniduc na Holanda.
E não vamos esquecer a heroica atitude da Carla, evitando a vizinhança toda ter que me ver de cuecas batendo dentes no meio da noite. Porque eu TERIA saído de cuecas.
Okay, agora a sério: fica aqui meu agradecimento a todos que trabalham, mesmo quando muitos dormem, para ajudar os outros, e minha profunda admiração por aqueles que correm em direção ao que muitos fogem.
E claro, meu agradecimento a você que apoia a lista e acompanha meu trabalho. Tenho muitos planos para 2024, e é um prazer contar com a sua companhia.
Você pode se tornar um assinante gratuito (se ainda não é), ou dar upgrade para apoiador pago (mesmo que seja apenas por um. M6es — seu apoio é muito apreciado!):
Outra maneira de apoiar a lista é compartilhar esse post com alguém:
Bom 2024 e um forte abraço
Daniduc
Minha sincera admiração pelos vizinhos que reconheceram o erro tão prontamente, acho que eu fugiria sem nunca mais voltar nem pra pegar as coisas... que situação, hahaha
É bom quando possíveis tragédias acabam bem e podemos brincar com elas! Ufa!