Criando filhos no exterior: o ensino médio na Holanda - Newsletter #44
E aí, tudo bem contigo?
Pois é, pulei a edição da semana passada. A família chegou do Brasil, e passamos a última semana de férias escolares juntos. Essa semana começa o novo ano letivo, com a a mais velha entrando na escola secundária. Um grande passo na vida de uma “tiener” na Holanda. Aqui a entrada para a “middelbare school” (escola média) é quase como ir para a universidade no Brasil. Okay, não tão dramático, mas tem algum drama sim.
Educação na Holanda: ensino médio
Primeiro, tem o drama de qual área seguir. Não digo “humanas” ou “exatas”, mas o ensino secundário aqui é dividido em caminhos, que irão te preparar para certos tipos de profissão. Os três principais caminhos são: “preparação vocacional” (VMBO), escola secundária geral (HAVO) ou pré universitário (WVO). Já explico.
Vamos começar com o VMBO, sigla para Voorbereidend middelbaar beroepsonderwijs, ou, na minha algo livre tradução, Ensino Médio Preparatório Profissionalizante (holandês não é muito fã de barra de espaço nas palavras). Como sugere o nome, no VMBO você vai fazer um secundário focado em te profissionalizar. É possível terminar o VMBO e entrar diretamente no mercado de trabalho, embora você possa fazer mais cursos especializados depois, e já ao longo do VMBO você vai se especializando na área de escolha, e o curriculum vai se subdividindo para maior ênfase nessa área. Seria mais ou menos equivalente ao Ensino Técnico. É um secundário mais prático. Se você quer ser técnico de computador, enfermeiro particular, cozinheiro, cabelereiro, você segue o VMBO.
Alternativamente você pode seguir o HAVO, ou Hoger algemeen voortgezet onderwijs, que eu traduziria para Ensino Médio Geral. É focado para te preparar para entrar no ensino profissional superior (HBO, hoger beroepsonderwijs). Isso quer dizer escolas terciárias, chamadas de Hogeschool, que te preparam para uma profissão que exige ensino especializado superior. Por exemplo, se você quer ser contador, docente, engenheiro elétrico, desenvolvedor de sistemas, você segue o HBO.
Agora, se você quer entrar para uma universidade, você deve ir para o VWO, ou Voorbereidend wetenschappelijk onderwijs. Algo como Ensino Médio Científico. No WVO você vai estudar grego clássico, latim, filosofia e vai ser preparado para universidade e academia. Por exemplo, você tem que ter o WVO para virar cientista, médico, advogado, jornalista. É possível ir do HAVO para o VWO, em vez do HBO, com alguns anos adicionais, ou você pode ir direto do ensino básico para o WVO.
A escolha das áreas no ensino médio na Holanda
Complicado? A pior parte é que eu estou simplificando um monte, claro. Cada uma dessas tem suas subdivisões e cláusulas, e a minha ideia não é escrever uma tratado sobre o assunto, mas te dar uma noção do ensino médio na Holanda, e fazer você entender um pouco o drama dos pequenos pupilos, que já devem com 11 ou 12 anos ir escolhendo o que vão ser quando crescerem.
Quer dizer, escolher mais ou menos, porque não basta quererem — elas tem de ter uma indicação da escola básica para qual área irão. Essa indicação é determinada por uma mistura de notas ao longo do ensino médio, a nota do exame final do ensino básico (CITO toets) e avaliação pessoal da professora (ou seja, o que a sua professora acha de você conta, além das suas notas e sua própria escolha), isso tudo em acordo com o aluno e os pais. Vai vendo…
Teoricamente, as três áreas são igualmente valorizadas, claro, todas as profissões são importantes, depende do seu perfil, etc, igualdade é um dos princípios chaves da sociedade holandesa. Cof. Yeah, certo. Na prática, claro, WVO é super prestigiado, exige as melhores notas, seguido do HAVO, e o VMBO é, digamos, menos considerado, mesmo que eles disfarcem o sentimento um pouco. Então rola uma certa pressão, as vezes dos pais, as vezes dos coleguinhas, as vezes dos próprios alunos, as vezes de todos esses juntos, para qual nível você vai. Isso aliado a pressão de escolher seu direcionamento na vida com 11 anos, o que já é difícil aos 18 (ou aos 49 e alguns casos mais drásticos como o meu).
Claro que eu tentei acalmar a minha filha com “sempre é possível mudar, nenhuma escolha agora é final” (o que é verdade, mesmo dentro do sistema oficial é possível mudar de caminho, embora custe bastante tempo e esforço). Mas ela ficou nervosa mesmo assim.
O sorteio de vagas nas escolas secundárias na Holanda
E aí tem o stress de escolher qual escola secundária você vai dentro da área que você escolheu. Existem escolas para cada uma das áreas, mas algumas são mais concorridas do que outras. Para resolver isso, uma vez que o aluno é direcionado para VMBO, HAVO ou WVO (ou ainda HAVO-WVO, que permite o aluno escolher depois de um par de anos se quer ir para o HBO ou VWO), eles devem visitar e escolher uma lista com 15 escolas, em ordem de preferência. Daí tem um sorteio, onde os alunos são ranqueados aleatoriamente. E conforme o rank, uma por uma, as alunas vão sendo alocadas para a escola mais alta da sua lista que ainda tem vagas. Digamos que a aluna número 5672 quer a Escola João de Barro (inventei o nome) como número 1, mas alunos que tinham rank mais alto já encheram as vagas da João de Barro, eles vão tentar colocar ela na escola 2 da lista, a Andorinha. A Andorinha também está cheia? Vamos para a Beija Flor. E assim por diante.
Como são muitas escolas (ao menos aqui em Amsterdam), o pessoal já começa a ir nos dias de visitação já no grupo 7 (o ensino básico acaba no grupo 8) para poder montar a lista perfeita. Segue-se um agonizante período de decisão da lista, incluindo no nosso caso ajustes até os últimos minutos na ordem entre a sétimo e a nona escolha e no fim vai tudo pra sorteio. Anyways. Deu tudo certo no final, mesmo a garota tendo pais estrangeiros que não sabiam a frente desse processo todo mas tinham que tomar atitudes importantes e decisivas na vida da guria como se soubessem. Os pais holandeses sabem disso tudo porque eles mesmos passaram por isso, mas esse é um dos desafios de ser expatriado: você tem que funcionar como adulto numa sociedade na qual ninguém te ensinou a funcionar durante a sua vida.
Vivendo no exterior
Quando a gente chegou aqui, eu estava tão perdido quanto uma criança está perdida: nem ler em holandês eu sabia, nem como pegar transporte (mico já no primeiro dia, tentando pagar o metro), coisas que são segunda natureza para quem cresce no país, a ponto de ser invisível, tão parte da realidade quanto o céu ser azul. Mas na verdade, a gente sente assim no próprio país só porque desde crianças tivemos adultos agindo como exemplo e explicando coisas para nós. Mas no novo país, você ja é adulto e é esperado que você saiba essas coisas, e quando não sabe, muitas vezes você é julgado como se tivesse algum atraso no seu desenvolvimento. Eu tomei altas brincas de holandês por ter posto lixo no lugar errado e não adiantou “eu só estou aqui há uma semana, meu senhor”. Outros foram mais pacientes com meus erros, como seriam com uma criancinha, que não sabe ainda, coitado.
Oh, é claro que existem expatriados e emigrantes que vieram adultos depois dos trinta e super imergiram na sociedade holandesa com proficiência invejável, mas muitos desses tem parceiros nativos, com suas famílias locais perto para acelerar o processo. Não foi o nosso caso. Viemos os dois bem brasileiros, saídos do país pela primeira vez na vida direto pra morar aqui. As primeiras palavras que aprendi de holandês foram no avião, sem brincadeira (entre a oferta de emprego ser aceita e a mudança foram poucas semanas de loucura - Não tínhamos nem passaporte).
E aí com filhos entra um desafio extra. Depois de aprendermos a vida adulta de um casal sem filhos e estávamos funcionando razoavelmente bem por aqui (depois de incessantes micos), abrimos toda uma nova área de descoberta, a infância, uma época que não passamos aqui para saber como é. Tudo vai bem até sua pequena sagui voltar chorando porque foi a única criança da classe que não pos sapatinho no fim de semana que o Sint chegou na Holanda e passou com o Ozosnel para deixar uma lembrancinha nas casas das crianças bem comportadas, e você não sabia de porra nenhuma disso. Ooops.
(Dica pró: coloque eles para ver o Sinterklaasjournaal, e se integre no movimento).
Ah, como já disse, deu tudo certo no final, mesmo que eu tenha que ficar decifrando o site da Van Dijk para escolher os livros escolares corretos para o segundo grau específico da menina (livros usados, que são reaproveitados e redistribuídos todos os anos, o que achei cool), e a Carla tenha de ter ido visitar trocentas escolas em poucas semanas porque no grupo sete a gente não sabia que já era para estar começando as visitas, ela conseguiu sua primeira escolha na escola (yes!) e no caminho dela (duplo yes!), e hoje ela sabe que Sinterklaas é imaginário, mesmo que não pareça quando você é menor, tão realista que os Holandeses fazem a história.
Ela está crescendo, e estamos orgulhosos dela (e de nós mesmos, por termos navegado com dificuldade mas sucesso desde a voorschool quando ela tinha 2 anos e meio até aqui). Ela e nós sabemos que novos desafios virão, mas a essa altura, estamos confiantes que saberemos enfrentar.
Boa sorte, minha linda garotinha, seu papa te ama e está sempre aqui pra bater cabeça por você.
Obrigado pelo apoio
Me despeço pelo momento com meu inevitável agradecimento aos apoiadores dessa Lista, que contribuem mensalmente e permitem eu seguir com esse trabalho. Muito brigado e saiba que aprecio e valorizo imensamente sua contribuição.
E meu agradecimento também para você que compartilha os posts, porque você é a única maneira para crescer e divulgar o trabalho, que é feito diretamente para as pessoas que leem, e não para agradar especificações de algoritmos automáticos.
E para você que leu até aqui, meu muito obrigado também, por dedicar seu tempo. Sem você nada disso teria sentido. Tempo é algo precioso, e é um privilégio ter um pouco do seu.
Forte abraço,
Daniduc
Impressionante como é diferente o grego de decifrar cada país, não? Que bom que deu tudo certo.
Beijos pros saguis!
Cada news é um mundo que se abre, sinceramente! Tinha uma ideia (idealizada) de que por aí a pressão pelo sucesso profissional/acadêmico medido nessas métricas fosse menor. Aparentemente, não é! Que seja uma fase suave para a saguizinha!